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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Cirurgião plástico que está fazendo de Blumenau a capital da mudança de sexo

Um cirurgião plástico fez de Blumenau, em Santa Catarina, um polo de mudança de sexo para competir com a Tailândia. E está dando certo: em três anos, já são mais de 200 homens virando mulher – e vice-versa

Por Chico Felitti para a Revista Joyce Pascowitch de fevereiro

Janeiro é o pior mês do ano para conversar com José Carlos Martins Junior. Como é inverno na Europa, seus clientes migram para o Brasil, e é difícil fazer que o quarentão moreno e barbado pare quieto. Martins Junior é um cirurgião plástico especializado em uma área até então carente de um Ivo Pitanguy: a mudança de sexo. “Aqui já é a Tailândia”, brinca o médico, entre uma consulta e outra, citando o país há 30 anos conhecido como a meca desse tipo de procedimento. Não por muito tempo, se os planos do “Doutor Transformação” vingarem: o médico cuidava de oito casos em janeiro e recebe três novos por dia – cerca de 20% deles vão de fato acabar na mesa de cirurgia, por conta de uma burocracia pesada: o pré-cirúrgico exige dois laudos de psiquiatras e anos de análise.

E, por mais que o consultório fique em um prédio envidraçado, de ar futurista, estamos longe de um grande centro. O Doutor Transformação montou sua estrutura em Blumenau, cidade do interior de Santa Catarina que, em 2014,tinha 334 mil habitantes, de acordo com o censo, e que não é exatamente conhecida por sua cena LGBT. Até a virada de 2018, 219 pacientes haviam passado por ali.

O Sistema Único de Saúde, que tem cinco hospitais credenciados para fazer cirurgias de transgenitalização pela rede pública, não chega a fazer 50 procedimentos por ano. A Associação de Travestis, Mulheres Transexuais e Homens Trans – LGBT do Estado de São Paulo calcula que a fila de espera por uma cirurgia no serviço público seja de dez anos. Detalhe: a cirurgia de alteração de vagina para pênis ainda não é autorizada na rede pública. Portanto, uma clínica privada é a alternativa para quem tem pressa e dinheiro.

Além do consultório e do hospital onde as cirurgias são feitas, em cima de um shopping, Martins Junior criou uma estrutura para atender seu público. O segundo andar da casa da instrumentadora cirúrgica foi transformado em uma espécie de pousada para pacientes, que ficam na cidade de dez dias, no caso de prótese de silicone, a duas semanas, em caso de redesignação sexual. O marido de uma funcionária vai buscar as pacientes no aeroporto de Navegantes em um carro executivo e insufilmado. A mulher do médico, com quem ele está casado há 26 anos, cuida da logística do processo e usa sua formação de psicóloga na triagem de pacientes. “Às vezes ela veta uma ou outra, porque a pessoa não está 100% segura. Para esse tipo de procedimento, é preciso ter a certeza mais absoluta.”

PELO YOUTUBE

Tudo começou quase que por engano. Quatro anos atrás, ele postou um vídeo no YouTube de uma cirurgia estética de reconstrução da parte frontal do rosto. Viu nos vídeos indicados pelo site uma raspagem de crânio na Tailândia, para afinar o rosto de uma futura mulher. “Aquilo me pegou. Eu sempre fui apaixonado pela transformação, e nesse momento descobri que havia esse tipo de transformação, que é a mais extrema.” Ligou para a Tailândia pedindo para visitar e ver como era feito o trato. Pediu para fazer uma visita técnica, e teve o pedido recusado.

Buscou uma alternativa nos EUA. Em duas semanas estava no Philadelphia Center for Transgender Surgery, clínica comandada por um dos papas da transformação, o doutor Sherman Leis. Voltou do “estágio” apaixonado pela nova área. Ligou para o colega Claudio Eduardo Souza, com quem havia trabalhado em um hospital, e propôs uma parceria. As cirurgias são feitas a quatro mãos. Enquanto um reconstrói o rosto, o outro faz o peito. Ou enquanto um faz o peito, o outro se encarrega do baixo ventre.

Não foi fácil. No começo da sua guinada profissional, ouviu de um colega, em tom de deboche: “Você estudou 18 anos da sua vida para operar traveco?”. Ele não respondeu, mas o tempo, sim. Depois de personagens trans aparecerem na novela das 9, a resistência se transformou em interesse. “Quando caiu na mídia, os profissionais perceberam que gera dinheiro.”

Muito dinheiro, aliás. O Doutor Transformação hoje tem um consultório na rua Oscar Freire, artéria do luxo em São Paulo, e outro em Milão – sua secretária na Itália, Nikita Vieira, foi uma das primeiras que ele operou. Tentou expandir seu mercado para a Bahia. Depois de três meses, só tinha uma consulta marcada. “Não tem jeito, a clientela que tem dinheiro para pagar já está nas maiores cidades do Brasil.”

Ou da Europa. O Doutor Transformação calcula que oito em cada dez pacientes moram fora do Brasil, por mais que quase todos sejam brasileiros radicados na Europa. Muitas delas profissionais do sexo. “Diria que a metade delas se prostitui. Não julgo. A paciente conseguiu ter sua casa, sua dignidade quando conseguiu ganhar dinheiro, depois que começou a se prostituir.” Mas se engana quem pensa que é a única profissão a passar por ali: um guarda rodoviário aposentado, um desembargador, um professor universitário e várias herdeiras integram a gaveta de prontuários da clínica.

“A MINHA É GIVENCHY”

Para aumentar ainda mais o número de pacientes, ele investe em um perfil de Instagram e no patrocínio de um concurso de Miss Trans, na Europa. A cirurgia nacional ainda é mais cara do que a asiática, admite o doutor, mas o pacote brasileiro é mais vantajoso. “Somados tradutor e passagens, para quem está na Europa, aqui é mais barato.” Os procedimentos variam de R$ 20 mil, por uma raspagem de testa, até R$ 150 mil, pelo serviço completo.

Além do custo-benefício, vai ser necessário vencer a aura que a Tailândia conquistou. Clínicas asiáticas oferecem um catálogo genital, em que a cliente pode escolher. “Você tem desde uma Le Postiche até uma Gucci”, explica a empresária Liège Lins, que fez sua cirurgia no sudeste asiático, 15 anos atrás. “A minha é uma Givenchy, a mais fina de todas!”.

Já Martins Junior criou uma técnica de raspagem que chama de contorno facial – não confundir com a maquiagem popularizada por Kim Kardashian, que usa luz e sombra para criar um rosto mais delicado. Na cirurgia, o escalpo é descolado do crânio para que a raspagem seja feita. Lixam-se as órbitas, as maçãs do rosto e o queixo com uma broca que se assemelha à usada na cadeira do dentista – o barulhinho, de causar arrepio na alma, é o mesmo. Depois, a pele é recolocada sobre a cabeça, como uma touca de natação, e costurada.

O médico sorri enquanto mostra o vídeo de Anabelle, uma dentista morena deslumbrante, com rosto fino e lábios grossos, se rasgando em elogios por ele. No começo, dava descontos para quem fizesse vídeos elogiando seu trabalho na internet. Hoje, jura, os elogios vêm de graça. Em grupos de Facebook de trans, as resenhas são majoritariamente elogiosas. “Ele é babado!”, comenta uma loira que está de biquíni na sua foto de perfil. “Ele é diferente”, diz outra que lembra Beyoncé em quase todas as fotos.

A diferença começa pela decoração do consultório. O doutor coleciona caveiras. Há “calaveras” mexicanas, pintadas em cores vivas, e em cima da mesa fica um crânio cromado, que ele havia acabado de trazer de Paris, onde passou uma temporada atendendo clientes. Já chorou na frente de pacientes. “É um privilégio que tenho e queria que alguns colegas vissem, quando um paciente vem trazido pelo irmão, ou pelos pais. É uma manifestação do amor.”

O Doutor Transformação passou por uma metamorfose depois que enveredou para a cirurgia sexual. Perdeu dezenas de quilos e cobriu o torso de tatuagens. O brinco voltou à orelha esquerda, depois de décadas guardado na gaveta. “Trabalhar nessa área me ajudou a ligar o foda-se.” Hoje, a mulher precisa brecar alguns dos seus modelitos de trabalho. “Ela tem de me segurar pra eu não vir de blazer vermelho com flor em cima”, ele ri, vestindo um terno de linho cinza-clarinho sobre uma camisa engomada. Afinal, a beleza é alma do seu negócio. “Não dá para contar quantas vezes ouvi de pacientes: ‘Será que vou ficar bonita, doutor’?”. Ao que ele responde: “Claro que vai. Sempre fica. A beleza é interior”, diz o Doutor Transformação, antes de sair para mais uma cirurgia.

Fonte: https://glamurama.uol.com.br/o-cirurgiao-plastico-que-esta-fazendo-de-blumenau-a-capital-da-mudanca-de-sexo/