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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quarta-feira, 20 de abril de 2016

TJSC - Condenação do hospital por queimadura (bisturi elétrico)

Apelação Cível n. 2013.059576-7, de Gaspar
Relator: Des. Luiz Cézar Medeiros

PROCESSUAL CIVIL - CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA - JULGAMENTO ANTECIPADO - CABIMENTO - PROVA PERICIAL - DESNECESSIDADE
"Não há cerceamento de defesa quando o magistrado, destinatário final da prova, verificando suficientemente instruído o processo e embasando-se em elementos de prova e fundamentação bastantes, ante o princípio da persuasão racional, entende desnecessária a dilação probatória e julga antecipadamente a lide" (AC n. 2013.0688602-0, Des. Henry Petry Junior).

CIVIL - HOSPITAL - RELAÇÃO DE CONSUMO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - INTELIGÊNCIA DO ART. 14 DO CDC
"Responde objetivamente a entidade hospitalar privada pelos resultados danosos provocados no âmbito da prestação dos serviços relacionados ao estabelecimento empresarial propriamente dito, ou seja, aqueles relativos à estadia do paciente (internação, instalações, equipamentos, serviços de apoio etc.), nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor" (AC n. 2010.032213-4, Des. Odson Cardoso Filho).
DANO MORAL - QUEIMADURA PROVOCADA POR BISTURI ELÉTRICO - QUANTUM INDENIZATÓRIO - PEDIDOS DE MINORAÇÃO E DE MAJORAÇÃO

1 A dor íntima motivada pelos efeitos do acidente - dor física, abalo psíquico e demais consequências do tratamento hospitalar -, por si só, acarreta a indesviável presunção de dano moral, circunstância autorizativa da imposição indenizatória.

2 Na fixação do valor dos danos morais deve o julgador, na falta de critérios objetivos, estabelecer o quantum indenizatório com prudência, de modo que sejam atendidas as peculiaridades e a repercussão econômica da reparação, devendo esta guardar proporcionalidade com o grau de culpa e o gravame sofrido.


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2013.059576-7, da Comarca de Gaspar (2ª Vara Cível), em que é apelante/apelado Hospital Nossa Senhora da Penha, e apelada/apelante Rosicler de Fátima Machado Morandini:
A Quinta Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer dos recursos, negar provimento ao apelo do réu e dar provimento ao recurso da autora. Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, realizado no dia 11 de abril de 2016, os Excelentíssimos Senhores Desembargador Luiz Cézar Medeiros, Desembargador Henry Petry Junior e Desembargador Jairo Fernandes Gonçalves.
Florianópolis, 12 de abril de 2016.
Luiz Cézar Medeiros
Presidente e relator

RELATÓRIO
Rosicler de Fátima Machado Morandini ajuizou ação de indenização por danos morais, materiais e estéticos em face de Hospital Nossa Senhora da Penha Ltda., alegando que, em 09/02/2009, submeteu-se a uma operação para retirada de sua vesícula, ocasião em que sofreu queimadura produzida por bisturi elétrico.
Após ter sido determinada a inversão do ônus da prova (fl. 45), foram apresentadas contestação (fls. 49-69) e réplica (fls. 124-130).
A parte dispositiva da sentença, após acolhimento dos embargos de declaração (fls. 140-141), ficou assim redigida:
"Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido da autora para condenar o requerido HOSPITAL NOSSA SENHORA DA PENHA LTDA ao pagamento em favor de ROSICLER DE FÁTIMA MACHADO MORANDINI:
a) dos danos materiais no valor de R$ 115,36, devendo referida verba ser acrescida de correção monetária e juros a partir dessa decisão; ressalto ainda que os demais valores referentes ao dano material suportado pela autora após o ingresso da presente demanda serão verificados em liquidação de sentença;
b) dos danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), devendo referida verba ser acrescida de correção monetária a partir desta decisão e juros a partir do evento danoso (desde 09/02/2009 - STJ, Súmula 54);
c) dos danos estéticos, os quais deverão ser quantificados através de liquidação de sentença.
Condeno ainda o requerido ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, em 20% sobre o valor da condenação, conforme estabelece o art. 20, §4º, do CPC" (fl. 158)
Irresignado, o Hospital Nossa Senhora da Penha Ltda. interpôs recurso de apelação, alegando, preliminarmente, cerceamento de defesa ante o julgamento antecipado da lide. No mérito, pugnou pela reforma da sentença, julgando-se improcedente a ação, ou, sucessivamente, a redução do quantum (fls. 145-154).
Por sua vez, a autora apelou, requerendo a majoração da indenização por danos morais (fls. 164-170).
Contrarrazões às fls. 173-179 e 189-192.

VOTO
1 Ab initio, importante ressaltar que não se olvida a entrada em vigor do NCPC no dia 18 de março próximo passado. Todavia, em razão de os presentes recursos terem sido interpostos em data anterior a sua vigência, aplicam-se as normas do CPC/1973, em conformidade com o Enunciado Administrativo n. 2 do Superior Tribunal de Justiça.

2 Em sede preliminar, o réu sustentou a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, ante a ausência de produção de prova pericial.
Razão não lhe assiste.
Em virtude do livre convencimento motivado, previsto no art. 131 do Código de Processo Civil de 1973, o magistrado é o destinatário final das provas, as quais se destinam a comprovar os fatos argüidos por ambas as partes. Caso o juiz entenda que os elementos probatórios presentes nos autos são suficientes a convencê-lo sobre a demanda, pode proceder ao julgamento antecipado sem configurar cerceamento de defesa.
Ao proceder dessa maneira, e, se for o caso, indeferir os pedidos de diligências desnecessárias e protelatórias, com fulcro no art. 130 do antigo Diploma Processualista, o Togado está agindo em total consonância com a obrigação de velar pela rápida solução do lítigio (CPC/73, art. 125, II).
A respeito do assunto, o doutrinador Fredie Didier Jr. pondera:
"O magistrado entende ser possível proferir decisão de mérito apenas com base na prova documental produzida pelas partes. O julgamento antecipado da lide é uma técnica de abreviamento do processo. É manifestação do princípio da adaptabilidade do procedimento [...], pois o magistrado, diante de peculiaridades da causa, encurta o procedimento, dispensando a realização de toda uma fase do processo. É bom frisar que o adjetivo "antecipado" justifica-se exatamente no fato de o procedimento ter sido abreviado, tendo em vistas particularidades do caso concreto. [...].
Quando for o caso, o 'julgamento antecipado não é faculdade, mas dever que a lei impõe ao julgador', em homenagem ao princípio da economia processual (art. 125, II, CPC)". (Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil e processo de conhecimento. 15. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2013, v. 1, p. 580-582).
Sobre a inocorrência de cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da lide, esta Câmara de Direito Civil assim entende:
"Não há cerceamento de defesa quando o magistrado, destinatário final da prova, verificando suficientemente instruído o processo e embasando-se em elementos de prova e fundamentação bastantes, ante o princípio da persuasão racional, entende desnecessária a dilação probatória e julga antecipadamente a lide, sobretudo se a prova pretendida - prova oral para demonstrar que o valor já foi objeto de execução - é desimportante para o deslinde do feito e sequer foi especificada" (AC n. 2013.0688602-0, Des. Henry Petry Junior).
Ao analisar o caso em questão, verifica-se que a prova pericial seria inútil ao julgamento do feito, porquanto foram carreados aos autos documentos suficientes para a instrução do processo. Assim, percebe-se que não houve cerceamento de defesa.

3 Importante ressaltar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso em análise, diante da relação de consumo verificada entre a autora e o Hospital requerido.
A requerente, que se enquadra no conceito de consumidor, nos termos do art. 2º do referido Diploma, é notadamente parte hipossuficiente e vulnerável do vínculo consumerista em relação ao nosocômio, o qual, por sua vez, figura como fornecedor de serviços hospitalares, nos moldes do art. 3º da mesma norma (Lei n. 8.078/90).
O microssistema protetivo consumerista ressalta a necessidade de prevenção e reparação dos danos causados ao consumidor, ao dispor:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
[...]
VI - a efetiva prevenção e reparação dos danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.
Ao tratar do direito à indenização disciplinado pelo mencionado dispositivo legal, João Batista de Almeida leciona:
"Todo o aparato legal visa a prevenir a ocorrência de danos ao consumidor, quer estipulando obrigações ao fornecedor, quer responsabilizando-o por danos e defeitos, quer restringindo a autonomia da vontade nos contratos, quer criminalizando condutas, mas tal não impede que tais danos venham a ocorrer. Por isso, é assegurado como direito do consumidor o ressarcimento ao prejuízo sofrido, seja patrimonial, moral, individual, coletivo ou difuso, pois, do contrário, não haverá efetividade na tutela (CDC, art. 6º, VI). Ao direito à indenização está diretamente ligado ao direito de acesso à Justiça e à Administração, vias nas quais poderá ser pleiteado e obtido o respectivo ressarcimento (inc. VII)" (Manual de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 45-46).
No que diz respeito à reparação de danos, diferentemente das relações privadas, nas relações de consumo, a teor do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, impera a responsabilidade objetiva, ou seja, não há necessidade de comprovação do elemento subjetivo - culpa - na conduta do fornecedor. Por esse motivo, este responderá pelos prejuízos causados ao consumidor, ainda que não tenha operado com culpa - negligência, imprudência ou imperícia -, bastando que este comprove o dano e o nexo de causalidade.

4 Tendo em vista a desnecessidade de comprovação da culpa ante a responsabilidade objetiva do hospital, revela-se necessário verificar apenas o dano e o liame entre esse último e o evento danoso. O dano resta clarividente da simples análise das fotos presentes às fls. 37-39. Ademais, o nexo de causalidade entre o acidente e os danos físicos sofridos pela autora encontra-se efetivamente comprovado às fls. 31, 34-35 e 105-106.
De outro vértice, nem de longe restou configurada a culpa exclusiva do médico no acidente em questão. A queimadura sofrida pela autora foi provocada durante procedimento realizado nas dependências do Hospital, com a utilização de aparelhos e instrumentos cirúrgicos de propriedade do estabelecimento hospitalar.
Dessa forma, haja vista que não foi disponibilizado pelo fornecedor os mecanismos eficazes para garantir a integridade física dos consumidores, constata-se que o serviço revelou-se defeituoso. Em consequência da ausência de comprovação da culpa exclusiva de terceiro, bem como da configuração de defeito na prestação do serviço, deve ser mantida a responsabilização do Hospital pelos danos causados à requerente.

5 Quanto aos valores dos danos postulados pela autora, deve ser mantida a condenação do estabelecimento hospitalar ao pagamento de todas as despesas materiais que a vítima já teve ou que vier a ter em decorrência do acidente em apreço. Assim, todos os gastos com medicamentos e tratamentos médicos para o restabelecimento de sua saúde devem ser custeados pelo nosocômio requerido.
A condenação é decorrência do art 949 do Código Civil, segundo o qual "no caso de lesão ou ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido".
Dessa forma, a sentença que condenou o hospital ao custeio das despesas havidas com medicamentos para o tratamento da queimadura deve permanecer inalterada.

5.1 No que se refere aos danos morais, é evidente a dor íntima motivada pelos efeitos do incidente - dor física, abalo psíquico e demais consequências do tratamento da queimadura. Além disso, esses danos são presumidos, de modo que dispensam prova concreta de sua existência.
Por tais motivos, não havendo dúvida de que a autora suportou considerável sofrimento físico e psíquico em virtude da queimadura provocada, encontra-se caracterizado o dano moral passível de indenização.
Sobre o montante da indenização por danos morais, constata-se que o valor fixado na sentença não se mostra suficiente para reparar o sofrimento da vítima. Assim, fixo o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) na tentativa de compensar, em certa medida, a dor e o sofrimento experimentado pela lesada, como também penalizar e conscientizar o estabelecimento hospitalar acerca da sua responsabilidade pela segurança do serviço prestado.
Ressalto que o aludido valor, com a incidência dos juros de mora de 1% (um por cento) desde o evento danoso, adequa-se aos montantes comumente fixados por esta Câmara em casos análogos (AC n. 2013.060970-5 e 2012.007691-0).
Em consequência da majoração da quantia indenizatória, resta prejudicado o pleito de minoração da referida verba, constante no apelo do recorrente Hospital Nossa Senhora da Penha Ltda.

5.2 Referente aos consectários legais, deverão incidir juros moratórios de 1% ao mês desde o evento danoso (STJ, Súmula n. 54), conforme fixado na sentença, mas, como este Juízo ad quem majorou o montante devido a título de danos extrapatrimoniais, o marco inicial da correção monetária será a data da publicação deste acórdão - com a aplicação isolada da Taxa Selic, que engloba os juros de mora e a atualização monetária -, nos termos da Súmula n. 362 do Superior Tribunal de Justiça.

6 Ante o exposto, com fundamento nos argumentos acima aduzidos, conheço dos recursos, nego provimento ao recurso do réu Hospital Nossa Senhora da Penha Ltda. e dou provimento ao recurso da autora para majorar o valor da indenização por danos morais para R$ 10.000,00 (dez mil reais). Sobre essa quantia deverá incidir juros moratórios de 1% ao mês desde o evento danoso e correção monetária a partir da data da publicação deste acórdão - com a aplicação isolada da Taxa Selic, que engloba ambos os consectários.

Gabinete Des. Luiz Cézar Medeiros