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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

A Epidemia de Partos Cesáreos: Autonomia de Vontade da Parturiente vs. Intervenção Médica, na Tomada de Decisão

*Por Natália Barroca

Há um grande número de partos cesáreos sendo realizado no país, além de partos normais desumanizados, com uso de episiotomias desnecessárias, que podem causar traumas estéticos que reclamam cirurgias reparadoras, para além de acarretar incontinência urinária e fecal, instalar quadro infeccioso e comprometimentos de cicatrizes, favorecendo a aparição de lesões de 3º e 4º graus. Ambas as formas produzem riscos e danos ao bebê que nasce e à parturiente. A Organização Mundial de Saúde recomenda que a taxa de realização de parto cesáreo seja em um máximo de 15%. O Brasil possui um índice de 52%, chegando a 83% se analisarmos, isoladamente, o setor privado.

Na relação médico-paciente, o diálogo é imprescindível para a boa tomada de decisões. Mais do que isto, é um direito da paciente obter informações sobre seu estado, prognóstico, diagnósticos, possíveis tratamentos indicados ao caso, suas consequências e prováveis riscos e complicações, etc.

Quando a liberdade em escolher ou consentir o procedimento mais adequado ou desejado é infringida, estamos numa relação de violação também da dignidade da parturiente. A dignidade compreendida, ainda, com uma “possibilidade de acesso a um serviço de saúde, e a garantia de um atendimento, no mínimo, respeitoso” (DANTAS; COLTRI, 2010, p.09).

Como valor intrínseco de cada ser humano, a dignidade está vinculada à “moralidade, ao bem, à conduta correta e à vida boa” (BARROSO, 2013, p.61) e foi incluída, paulatinamente, no ordenamento jurídico e nos discursos políticos. Quando a paciente não consente e o profissional de saúde pratica conduta diversa, viola-se não apenas a autonomia da parturiente, mas sua dignidade em si; “o princípio do consentimento como resumo do núcleo da moralidade do respeito mútuo precisa ser aceito enquanto possamos coerentemente pensar em nós mesmos como dignos de respeito, ou considerar as pessoas em termos de seu merecimento de acusação ou elogio, ou como indivíduos capazes de reconhecer a autoridade moral em um contexto pluralista secular – isto é, em um contexto no qual não existem premissas religiosas, metafísicas ou ideológicas especiais” (ENGELHARDT JR, 2011, p.151).

Por muito tempo, a autonomia do/a paciente foi ignorada pela sociedade médica. O Juramento de Hipócrates se baseou na beneficência do médico; até o fundador da medicina moderna, Claude Bernard, mencionava que competia ao médico o que fazer e decidir o que convinha ao doente (DURAND, 2013, p.173). Só após o Tribunal de Nuremberg é que se insistiu “na liberdade dos doentes em se submeter ou não a uma experimentação que os tome como objetos” (DURAND, 2011, p.173).

Tanto a episiotomia desnecessária, quanto a cesárea forçada desrespeitam os direitos humanos na área de saúde e constituem uma violência de gênero. A paciente tem seus direitos mitigados, é afastada da tomada decisória quanto à realização de tais procedimentos, perdendo sua autonomia e ganhando mutilação genital/cicatriz cesariana, além de trauma psicológico, que a acompanhará por longas datas.

Não só o direito à integridade física da parturiente deve ser observado, a humanização e integralidade na assistência à saúde também.

A dignidade humana da mulher é posta de lado aos que defendem o uso da episiotomia ou do parto cesáreo, rotineiramente. Aliena-se o profissional e incute-se nele a ideia da maternidade como linha de produção, despersonalizando a mulher (objetivando a perspectiva final do bem-estar do feto) e utilizando excessivas intervenções com o intuito de acelerar o trabalho de parto, práticas condenáveis pela Organização Mundial de Saúde.

A forma de nascimento, como direito assegurado à gestante, está prevista – até mesmo – na Convenção Americana de Direitos Humanos, na qual o Brasil é signatário (artigo 1º - Obrigação de respeitar os direitos. 1. Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social).

O agir beneficente do médico, sem o norteamento livre, esclarecido e consentido da paciente para a intervenção médica de um parto cesáreo ou um parto normal com episiotomia, apenas deve desconstituir um ilícito se estiver ele diante de um iminente perigo de vida. O direito ao consentimento confere “a terceiros a faculdade de perpetrar a ação, tornando lícito o que em outras circunstâncias era ilícito, fazendo desaparecer apenas, nos limites do autorizado, a tutela jurídica do bem pertencente ao consenciente” (CARVALHO, 2001, p. 143).

O empoderamento (neologismo derivado do termo inglês “empowerment”) da mulher gestante configura o direito a ela pertencente, pleiteado em diversas nações, em delegar o poder sobre a forma do seu parto; é a expressão que torna a mulher a protagonista em seu direito de parir; é respeitar a própria natureza do ato “nascer”.

Na rede privada, nos planos e seguros de assistência à saúde, já há uma Ação Civil Pública (ACP nº 0017488-30.2010.4.03.6100, distribuída à 24ª Vara Federal Cível de São Paulo), ajuizada pelo Ministério Público Federal com a finalidade de solicitar que a ANS cumpra as medidas requeridas que visam a redução do número de cesarianas e promovem o porta humanizado. Dentre estas medidas, tem-se a diferenciação da remuneração a ser paga por cada tipo de parto, em que se pleiteia a observação da recomendação do Conselho Federal de Medicina, para se pagar quatro vezes mais pelo parto normal, já que ele pode durar mais de 12 horas, enquanto um parto cesáreo é realizado em um prazo de 3 horas, no máximo. Pede-se, ainda, o incentivo às práticas humanizadoras em que se tenha uma sala adequada, um ambiente propício ao parto natural, possibilitando o acompanhamento dos familiares durante o tempo da internação, o que promove, inclusive, um apoio psicológico à paciente.

É necessário que se promova cada vez mais o debate nesta área para que tenhamos um agir humanizado, tanto por parte dos profissionais de saúde, como pelos gestores hospitalares e que haja o respeito, primordialmente, à dignidade da paciente gestante, para que o nascimento seja um momento agradável e que as judicializações em direito à saúde no que tange esta temática, não avance em quantitativos.

Referências

BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo . A construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2013.

CARVALHO, Gisele Mendes de. Aspectos jurídico-penais da eutanásia. São Paulo: IBCCRIM, 2001.

DANTAS, Eduardo; COLTRI, Marcos. Comentários ao Código de Ética Médica . Resolução CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2010.

DURAND, Guy. Introdução geral à bioética : história, conceitos e instrumentos. Tradução de Nicolás Nyimi Campanário. 4ª ed. São Paulo: Centro Universitário São Camilo: Edições Loyola, 2012.

ENGELHARDT JR, H. Tristram. Fundamentos da bioética . Tradução de José A. Ceschin. São Paulo: Edições Loyola, 2011.

Texto confeccionado por
(1)Natália Barroca

Atuações e qualificações
(1)Mestranda em Direitos Humanos pela Universidade Federal de Pernambuco-UFPE. Pós-graduada lato sensu em Direito Penal e Processual Penal. Graduada em Direito pela UNIVERSO. Atuou como Conciliadora Voluntária pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco, Juizado Especial Cível por dois anos. É professora de disciplinas de direito na Faculdade Metropolitana do Grande Recife. É professora convidada da Escola Superior de Advocacia de Pernambuco (Escola Ruy Antunes) da OAB/PE. É professora de Criminologia da especialização em Jornalismo Investigativo da ESURP/PE e na especialização em Direito Penal e Processual Penal da ESA/OAB

Bibliografia:

BARROCA, Natália. A Epidemia de Partos Cesáreos: Autonomia de Vontade da Parturiente vs. Intervenção Médica, na Tomada de Decisão. Universo Jurídico, Juiz de Fora, ano XI, 13 de mai. de 2014.
Disponivel em: < http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/9647/a_epidemia_de_partos_cesareos_autonomia_de_vontade_da_parturiente_vs_intervencao_medica_na_tomada_de_decisao >. Acesso em: 15 de mai. de 2014.

Fonte: Universo Jurídico