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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Aborto: A saúde pública espera por mudança

*Por OLÍMPIO BARBOSA DE MORAES FILHO

O tema do aborto deve ser analisado sob o prisma da autonomia individual e da realidade trágica que leva mulheres a arriscarem a vida Poucos se dão conta de que uma tragédia assola o país, sem alardes no noticiário. No Brasil, por ano, de 250 a 300 mulheres morrem em decorrência de abortos clandestinos.

A maioria delas é jovem, negra, analfabeta, tem baixa escolaridade e nível socioeconômico. Por ser crime, a conta é incerta, mas o impacto da perda dessas vidas desestrutura famílias e enterra sonhos.

As estimativas falam em cerca de 1 milhão de abortos realizados na ilegalidade anualmente no país. Desse total, ao menos um quarto gera complicações que levam a internações para curetagens pós-abortamentos na rede pública. Muitas mulheres ficarão estéreis ou terão a saúde comprometida por toda a vida.

Isso ocorre à sombra do nosso anacrônico Código Penal (de 1940), cujos estreitos limites excludentes de ilicitude do aborto não dialogam com os compromissos humanísticos inerentes à responsabilidade social e aos tratados internacionais subscritos pelo governo brasileiro.

Há pouco, o Conselho Federal de Medicina --em resposta a solicitação da comissão especial do Senado criada para cuidar da reforma desse código-- decidiu expressar ser favorável à ampliação do leque de situações em que há exclusão de ilicitude.

Ora, essa decisão não transforma a entidade em defensora do aborto ou de sua descriminalização. O que está em discussão é o aumento do número de ``causas excludentes de ilicitude``. Ou seja, em determinadas situações previstas em lei, a interrupção da gestação não configurará crime. Atos praticados fora desses parâmetros serão punidos.

A análise de tema tão complexo não pode ser tratada de forma maniqueísta, de reserva teológica ou de fé dogmática. Espera-se o equilíbrio e a isenção que permitam enxergar no aborto a relevância de um grave quadro de saúde pública.

Nesse debate, o tema do aborto deve ser analisado sob o prisma da autonomia individual e da realidade trágica que leva mulheres a arriscarem a vida. Por medo de serem punidas pela Justiça, realizam procedimentos sem segurança.

A prática do aborto clandestino prevalece em países onde as leis sobre o tema são mais restritivas.

Em 97 países, que concentram cerca de 70% da população mundial, há regras que permitem a interrupção da gestação. Em outros 93, a prática é proibida ou só é permitida em situações especiais, como deformações do feto, violações ou risco de vida para a mãe. A Organização Mundial da Saúde calcula a realização de 46 a 55 milhões de procedimentos anuais em todo o mundo. Cerca de 80% deles em países em desenvolvimento.

Estudos indicam que, em países onde houve reformas legais com ampliação do número de situações de excludência de ilicitude, caiu de forma significativa a morbimortalidade materna. Nesses locais, com o aumento da procura das mulheres por informação em saúde sexual e reprodutiva e por métodos contraceptivos, reduziram-se as situações de gestação indesejada e, consequentemente, de abortos.

Não podemos prever de forma cartesiana que isso se reproduzirá no Brasil, apesar dos indícios científicos dessa possibilidade.

O que nos parece relevante é discutir o tema com todos os setores da sociedade, para tratá-lo sem subterfúgios. É preciso encontrar o melhor caminho para impedir que a transformação do direito à vida assuma o caráter de dever de sofrimento para milhares de mulheres.

Num país marcado pela desigualdade, apenas o exercício da razão, da compaixão e da solidariedade poderá evitar novas tragédias ou a manutenção dos dramas silenciosos.

*OLÍMPIO BARBOSA DE MORAES FILHO é professor da Universidade de Pernambuco e vice-presidente da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia no NE

Fonte: Folha de S.Paulo