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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Internação Compulsória: Confusões marcam 2º dia de plantão judicial

Houve briga, `devolução` de paciente e pessoas que saíram do centro de tratamento de dependência química sem vaga

O segundo dia do plantão judicial no Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas), no Bom Retiro, região central de São Paulo, foi marcado por confusões.

Pessoas levadas anteontem ao local só foram internadas ontem -como o homem de 62 anos que precisou ser dopado pela filha (leia abaixo).

O objetivo do plantão é agilizar internações compulsórias (quando há indicação médica, o paciente recusa e o caso é decido por um juiz).

Do lado de fora do Cratod, enquanto um grupo se manifestava contra as internações compulsórias, um usuário de drogas, de 18 anos, agrediu um cinegrafista da TV Globo e precisou ser contido. A PM foi chamada, mas não houve registro.

``Eu dormi aqui, estou esperando sair minha vaga. Quero sair dessa vida``, disse ele.
Também houve problema com um jovem, de 19 anos, que teve que voltar ao Cratod após ser levado a uma clínica de Itanhaém (106 km de SP) e ter sua entrada negada no local por falta de documentos.

ATENDIMENTOS

Nos dois primeiros dias do plantão segundo a Secretaria de Estado da Saúde, 51 pessoas foram atendidas (entre elas, mães que procuravam informações). Três usuários foram internados voluntariamente e dois, involuntariamente.

Em 2012, a rede municipal de saúde internou 1.477 usuários de drogas, média diária de quatro internações. Desse total, 145 internações foram involuntárias (feitas a pedido das famílias) ou compulsórias (após decisão judicial).

O Estado não informou quantas internações aconteceram em 2012 no Cratod. Desde segunda, ninguém foi internado compulsoriamente.

Sobre o jovem que agrediu o cinegrafista, a secretaria informou que a avaliação médica não apontou necessidade de internação, que ele está em observação e que deve ser encaminhado a um Centro de Atenção Psicossocial.

Já sobre o rapaz mandado de volta de Itanhaém, a pasta afirma que ele buscou ajuda na sexta-feira, será reavaliado e não ficará sem tratamento.


Ele sabe que o enganei, diz filha que dopou o pai

O usuário de crack de 62 anos que foi dopado pela filha para ser levado ao Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas), no centro de São Paulo, foi transferido ontem à tarde para um hospital de São Bernardo do Campo (Grande São Paulo), onde passará por tratamento.

A decisão do plantão judicial foi a internação e foi dada mais de 24 horas após sua chegada ao centro.
``Quando chegamos lá, a comissão já estava terminando [o plantão funciona até as 13h], então o caso só foi avaliado hoje [ontem]``, contou.

Ele passou 26 horas no local sob efeito de sedativos e usou adesivos para não fumar até chegar ao local de internação. ``Ele está sabendo que tive que enganá-lo para interná-lo. Sabe que é a única forma, que por vontade própria ele não conseguiria por causa do vício``, disse.

Usuário de crack há dez anos, ele já foi internado voluntariamente duas vezes, mas quis sair. A filha afirma que o homem consegue ficar alguns períodos sem a droga, mas tem recaídas. ``Nos últimos quatro anos o consumo de droga ficou sem controle``, conta. Sem previsão de alta, a filha diz acreditar que desta vez será definitivo. ``O hospital e tratamento são sérios e vai ser muito bom para ele. Depois disso, vai depender só dele``, diz a filha.

Mãe procura ajuda, mas precisa voltar no dia seguinte
DO “AGORA”

Um viciado em crack que era mantido acorrentado em casa pela mãe para não fugir teve que ir duas vezes ao Cratod, anteontem e ontem, para conseguir a internação.

A mãe dele, uma dona de casa de 48 anos contou que levou o filho, de 22 anos, à unidade anteontem dizendo que ele só passaria no médico. Lá, ela pediu a internação à força, mas foi orientada a voltar no dia seguinte.

Ela teve então que retornar para casa, em Santo Amaro (zona sul), com o filho, que estava sob efeito de sedativo, aplicado no Cratod.

Na madrugada de ontem, a dona de casa tomou um ônibus acompanhada pelo filho, que ainda estava ``meio dopado``, para voltar à unidade.

``Ele subiu no ônibus meio cambaleando, mas conseguimos vir. Cheguei às 5h50 para não ficar sem atendimento``, disse a dona de casa.

O jovem foi internado no Cratod e até o fim da tarde de ontem esperava uma vaga em hospital ou clínica.

``Ele sempre cortava a corrente, mas no domingo ele voltou, pediu ajuda e vi que era a chance de interná-lo.``

A Secretaria de Estado da Saúde informou que o jovem foi orientado a voltar no dia seguinte para passar pelo plantão judicial, mas não explicou porque isso seria necessário se o caso dele é de internação involuntária - não precisa do aval de um juiz, basta o promotor ser comunicado.

ANÁLISE
Objetivo da medida não pode ser o de retirar usuários de crack de circulação
GUSTAVO ROMANO

A internação compulsória de usuários de crack pelo governo gera o temor de que se desvirtue uma lei feita para proteger o paciente em um mecanismo para retirar viciados de circulação.

A Lei 10.216/01, que prevê a internação compulsória, diz que a internação visa reinserir o paciente na sociedade.

A internação não é um fim, mas um meio.

Tampouco visa o alívio dos transtornos causados pelo paciente à sociedade: essa é apenas uma consequência positiva.

A distinção, tênue, é essencial. Separa o uso da lei como um tapete sob o qual escondemos o viciado, do uso da lei como um instrumento para reinseri-lo na sociedade.

Para isso, ela diz que ``o tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral (...), incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros``.

Se o Estado apenas interna, sem prover a estrutura para o tratamento, ele está instrumentalizando a lei para um fim ao qual ela não serve. A internação vira uma sanção penal, sem devido processo legal e sem lei que a preveja.

Ademais, se a internação é determinada em uma parceria entre técnicos da área de saúde, Ministério Público, Defensoria Pública e Judiciário, resta a qualquer deles independência para proteger os interesses do paciente antes e, especialmente, depois da internação?

Se a internação virar um fim em si, há sério risco de esquecimento de pacientes em centros de tratamento, nos moldes do que ocorre em prisões e manicômios.

GUSTAVO ROMANO é mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA) e responsável pelo site direito.folha.com.br

Fonte: Folha de S.Paulo / Agora