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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Denúncia de prática ilegal na sala de cirurgia

Técnicos de enfermagem garantem que estão fazendo o papel do médico auxiliar durante as operações em cinco hospitais particulares

Hospitais privados do Distrito Federal estão sendo acusados de substituirem médicos auxiliares por técnicos em enfermagem durante a realização de cirurgias. A prática é denunciada por dezenas de funcionários das maiores unidades de saúde da capital. Pelas normas do Conselho Federal de Medicina (CFM), cada procedimento deve ter a participação de, no mínimo, dois cirurgiões, mas há indícios de que muitos especialistas têm ignorado as regras com a conivência dos gestores dos estabelecimentos.

O Correio teve acesso a prontuários e vídeos que revelam a ausência de médicos auxiliares em centros cirúrgicos. Em uma das imagens, supostamente gravadas no Hospital Anchieta, em Taguatinga, um médico determina quais os comandos uma mulher deve executar. Ela só tem o curso de técnico e sua única função deveria ser abastecê-lo com instrumentos, como bisturis e pinças.

Sem a presença do médico auxiliar na sala, fica a cargo de um profissional sem preparo dar segurança e estabilidade ao paciente, além de separar órgãos e posicionar tecidos. Há ainda suspeita de falsificação de documentos para omitir a fraude nos hospitais. Segundo o Sindicato dos Técnicos em Enfermagem do DF (Sindate), ao preencher o formulário em que o médico detalha o que ocorreu na cirurgia, o nome de um segundo cirurgião sempre é inserido, justamente para esconder a irregularidade.

O diretor administrativo do Sindate, Jorge Viana, explica que os médicos aceitam trabalhar nessas condições porque recebem o valor referente a cada cirurgia. “Quanto mais procedimentos realiza, mais ele recebe do plano de saúde. Se têm apenas dois médicos, eles preferem se dividir, se arriscam atuando apenas com o auxílio de um técnico e recebem mais. Infelizmente, tornou-se algo corriqueiro”, explicou.

Riscos

O presidente do Sindicato dos Médicos de Brasília (SindMédico), Gutemberg Fialho, condenou a prática e defendeu sanções severas aos profissionais que adotam esse tipo de expediente ilícito. “Para mim, quem desempenha tal atividade deve ser cassado. Não podemos permitir que uma irresponsabilidade como essa ameace a integridade das pessoas”, afirmou.

Gutemberg ainda lembrou dos riscos da atuação de um técnico em cirurgias. “O (médico) assistente deve ter o mesmo conhecimento do titular, para, em caso de emergência, saber contornar a situação. Como exigir de um técnico as habilidades inerentes à atividade médica? Ele não vai saber o que fazer e pode comprometer o procedimento”, criticou.

Funcionários ouvidos pela reportagem garantem que a prática é comum nos centros cirúrgicos de hospitais como Anchieta, Santa Lúcia, Santa Helena, Prontonorte e Santa Luzia. Muitos alegam sofrer coação dos gestores dos estabelecimentos caso se recusem a operar os instrumentos. O desvirtuamento de funções no Anchieta, segundo o Sindate, extrapolou os limites e causou uma indignação geral. No último dia 13, os 16 técnicos de enfermagem de plantão suspenderam as atividades por algumas horas.

No protesto, eles revelaram sofrer intimidação constante dos gestores, da equipe médica e até dos enfermeiros que chefiam os plantões. “O fato é que a pressão é tão grande que ninguém se atreve a dizer não. Nós nos submetemos a isso, sabendo que é ilegal, porque temos medo de perder o emprego. Se você segurar um bisturi na posição errada, o médico ainda insulta e menospreza. É algo muito constrangedor”, diz uma técnica de enfermagem (leia Depoimento).

O presidente do Conselho Regional de Enfermagem (Coren), Welington Antônio da Silva, diz já ter ouvido o relato de alguns funcionários, mas não há nada oficializado. Pelas denúncias dos técnicos, a irregularidade ocorre pelo menos desde 2010. Para Silva, os profissionais que se sentirem coagidos devem buscar ajuda da entidade. “É um absurdo a ideia de que técnicos atuem separando ou segurando órgãos para o médico. É um risco muito grande. Se comprovarmos a existência dessa prática, vamos entrar com uma ação contra o enfermeiro supervisor e contra os gestores da unidade. O próprio técnico que se submeter a isso está exercendo ilegalmente a profissão. Por isso, pedimos que denunciem ao conselho, mesmo de forma anônima”, destacou.

Depoimento
“É praticamente uma ditadura”

“Auxiliar um cirurgião e instrumentar é algo rotineiro no hospital em que eu trabalho (Prontornorte). Se você se recusar, fica marcado e pode até ser demitido. Isso faz com que nenhum técnico ouse a bater de frente. Mesmo sabendo que o nosso conhecimento em medicina é superficial, os médicos querem exigir. Se você segurar um órgão de maneira errada, te insultam. Mesmo cientes de que se trata de algo totalmente clandestino, temos de ficar calados. Caso contrário, vamos para o olho da rua. É praticamente uma ditadura que vivemos dentro dos hospitais particulares, e não temos a quem recorrer.”

Funcionária do Prontonorte, que preferiu não se identificar

O que diz a lei

A Resolução nº 280 de 2003 do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), em seu artigo primeiro, proíbe qualquer profissional de enfermagem de exercer a função de auxiliar de cirurgia. Tal atividade deve ser desempenhada exclusivamente por outro médico. A única exceção é quando a situação for considerada de urgência, representando risco iminente à vida do paciente, e não for possível esperar a chegada de outro cirurgião. Já a resolução nº 1.493, do Conselho Federal de Medicina (CFM), determina que a unidade de saúde tome as providências para que todo paciente hospitalizado tenha seu médico assistente responsável, desde a internação até a alta.

Irregularidade contestada

No Hospital Santa Lúcia, na Asa Sul, há relatos de que funcionários foram ameaçados de demissão ao se recusarem a entrar no centro cirúrgico como médico auxiliar. Profissionais do Prontonorte, na Asa Norte, também afirmam não saber como administrar a situação, segundo eles, cada vez mais comum. No Santa Luzia, o problema já teria chegado ao conhecimento dos diretores, mas nada foi feito, de acordo com técnicos.

Em nota, a assessoria de comunicação que representa os hospitais Santa Lúcia, Prontonorte e Santa Helena esclarece que a responsabilidade no centro cirúrgico é inteiramente do médico. Considera ainda falsas as denúncias de desvio de função dos seus profissionais. “É absolutamente inverídica a afirmação de suposta conivência com práticas irregulares, pois a disponibilização do local para realização de procedimentos cirúrgicos ocorre apenas para os profissionais que comprovaram a integral observância das exigências para o exercício do ato médico”, diz o texto.

Já o Hospital Santa Luzia garantiu atender todas as normas instituídas por órgãos de regulamentação e conselhos de classe, “desaprovando qualquer prática que não está em conformidade com estas instituições”. O Hospital Anchieta negou as denúncias e disse “não ser conivente com qualquer prática que descumpra as normas do Conselho Federal de Medicina e do Cofen e, principalmente, que coloque em risco a segurança do paciente”. Os gestores ainda ressaltaram o compromisso com a ética. “ Uma instituição hospitalar idônea não encoberta essas práticas”.

A superintendente do Sindicato Brasiliense dos Hospitais do DF, Danielle Feitosa, afirmou desconhecer as denúncias, que chegaram ao Sindicato dos Técnicos de Enfermagem. “Caso se confirmem esses fatos, o que eu acho difícil, vamos fazer um trabalho de esclarecimento”, disse. (SA)

Fonte: Correio Braziliense / Saulo Araújo