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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

A judicialização da saúde no banco dos réus

Obter medicamento no SUS pela via judicial é um direito do paciente, que coloca em xeque o subfinanciamento da saúde pública no país
Em 2011 foram registradas 10.299 ações da área da Saúde no Estado de São Paulo

O crescente número de ações judiciais para obtenção de medicamentos importados e de alto custo tem gerado um conflito importante para os médicos: é ético ou não prescrever esse tipo de tratamento, uma vez que são escassos os recursos aos pacientes que estão nas filas do Sistema Único de Saúde?

O que está em pauta é a denominada “judicialização da saúde”, fenômeno recente no Brasil e em outros países – decorrente do surgimento de remédios de última geração para diversos tipos de doenças –, capaz de gerar dúvidas aos médicos e, ao mesmo tempo, tirar o sono dos gestores de saúde, na medida em que interfere diretamente nas finanças de municípios, estados e União.

De uma forma geral, para atender às demandas da população, o Sistema Único de Saúde (SUS) adota como referência a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), que abrange 810 itens, destinados ao tratamento de grande parte das enfermidades. No caso de doenças raras, que exigem drogas específicas, recorre aos itens do Programa de Medicamentos de Dispensação em Caráter Excepcional.

Dilema ético e econômico

De um lado da polêmica estão os médicos que, na hora da prescrição, sempre buscam o melhor tratamento para os seus pacientes, muitas vezes com medicamentos excepcionais, que não estão na lista do SUS, são off label (registrados para uma indicação não incluída na bula) ou não possuem registro na Anvisa.

De outro, os gestores da administração pública, que reclamam do crescente aumento de gastos e do impacto causado pelo repasse de verbas, para atender liminares e mandados judiciais, o que, segundo eles, faz aumentar a escassez de recursos para itens básicos de direito de quem está na fila do SUS. De acordo com a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES), em 2011 foram gastos R$ 700 milhões para atender a essas demandas.

Como mediador, o poder público, entidades e advogados que defendem os solicitantes. Para o procurador de Justiça do Conselho Superior do Ministério Público, Vidal Serrano, “o direito à saúde é universal, quer por expressa designação da Constituição (art. 206), quer por se tratar de um Direito Fundamental. Assim, qualquer ser humano, só por desfrutar desta condição, tem direito de acesso às ações e serviços em saúde”.

Serrano avalia que, do ponto de vista prático, a judicialização decorre da insuficiência do SUS. “Os gestores lembram constantemente das limitações orçamentárias, mas é preciso recuperar que boa parte dos estados e municípios não aplica em saúde sequer o mínimo exigido pela Constituição”, diz.

Para a médica e professora da UFRJ, Lígia Bahia, o argumento principal sobre os problemas acarretados pela judicialização na saúde não deve ser contábil: “Esse valor é, em termos relativos, insignificante comparado ao total do orçamento público do Estado de São Paulo para a saúde. Além disso, os governos dispõem de instrumentos para arrecadar mais recursos e alocá-los segundo prioridades, que deveriam contemplar, antes de tudo, o direito à vida e à saúde”.

Médico deve ficar atento ao Código de Ética

Ninguém discute que é direito dos pacientes e dos médicos apelar à justiça, precavendo-se de qualquer ameaça a um direito constitucional. Mas, mesmo no judiciário, há quem considere excessivas essas medidas: “o que se vê não são ações judiciais para se obterem remédios não encontrados ou procedimentos imprescindíveis. São as voltadas a agilizar o acesso, em prejuízo de quem está na fila”, ressalta Reynaldo Mapelli Júnior, promotor de Justiça licenciado e chefe de gabinete da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. “Causam indignação também pessoas acom¬panhadas em hospitais particulares, que usam o sistema público como farmácia de remédios de alto custo”, denuncia.

O conselheiro José Marques Filho, doutorando em Bioética, lembra que o médico – que acaba por fazer prevalecer o direito ao tratamento de um grupo relativamente pequeno de usuários, muitas vezes detentores de planos de saúde e com acesso a hospitais particulares – “não pode perder de vista que sua obrigação se dirige ao ser humano e à coletividade, conforme o Código de Ética Médica”. Ou seja, “quem está à sua frente merece o melhor, mas não pode ser excluído do contexto de orçamentos minguados em saúde, sem serem ponderados custos e benefícios”, avalia. Segundo ele, entre as razões que levam o médico a atitudes que comprometem a alocação equitativa de recursos de saúde, figuram desconhecimento, boas e más intenções. “Podem agir por conflito de interesses, devido a vínculos com laboratórios”, lamenta.


Iniciativas do MP diminuem efeitos adversos de ações em saúde

Há várias iniciativas do Ministério Público, dos tribunais estaduais e até das instâncias recursais para analisar as ações judiciais em saúde. A solicitação e obtenção de medicamentos (sem evidências científicas) têm sido submetidas a órgãos nos quais participam médicos especialistas capazes de analisar a pertinência da prescrição a cada caso.

Para o procurador Serrano, boa parte das políticas públicas em saúde adveio da judicialização de alguns temas, como é o caso da prevenção e tratamento dos pacientes com HIV. Mas Serrano não crê que a obtenção de remédios por meio da Justiça, enquanto fenômeno alargado, seja uma via sem volta. “A porta de saída da judicialização é a implementação do SUS, o que, como todos sabemos, implica, dentre várias outras coisas, uma significativa majoração dos recursos existentes e o zelo pela correta aplicação deles”, argumenta.

Fonte: CREMESP