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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Leis para o patrimônio genético não podem repetir erros

*Por João Emmanuel Cordeiro de Lima

No dia 17 de abril de 2012 foi dado início ao 1º Fórum de Acesso ao Patrimônio Genético e Conhecimento Tradicional Associado do estado do Pará. Essa iniciativa da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação tem por escopo criar um ambiente que fomente o debate sobre essse relevante tema e viabilize a construção de um anteprojeto de lei para regê-lo no âmbito estadual. As regras para funcionamento desse colegiado já foram aprovadas e ficou definido que ele se encontrará mensalmente durante esse ano para que tais objetivos sejam alcançados.

Leis com o objetivo de regular o acesso ao patrimônio genético da biodiversidade e os conhecimentos tradicionais a ela associados não são novidade no Brasil. No âmbito federal, essa matéria já é exaustiva e burocraticamente regulada pela famigerada medida provisória 2.186-16/2001, que estando em vigor há mais de 10 anos só conserva a provisoriedade no nome por uma anomalia produzida pela Emenda Constitucional de 32/2001. Seu texto obscuro e sua insuperável aptidão para minar a pesquisa nacional com biodiversidade fazem desse estatuto legal um raro caso de consenso no que diz respeito à necessidade de sua imediata revisão.

A iniciativa paraense tampouco é pioneira na efera estadual. No estado do Acre, desde 1997 há uma lei estadual em vigor (Lei 1.235/1997) com o declarado intuito de controlar o acesso aos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais a eles associados. O mesmo ocorre no estado do Amapá (Lei 388/2007). Ambos os estatutos legais têm dois traços em comum: o demérito de terem criado um enorme fardo burocratico para os interessados em pesquisar a biodiversidade brasileira e a baixíssima eficácia social. São leis que, como se convencionou dizer, não pegaram, mas que permanecem em vigor trazendo consigo enorme dose de insegurança jurídica para um regime normativo já complicado.

Para evitar que uma iniciativa nascida de boas intenções como essa do estado do Pará não caia na mesma armadilha dessas aventuras pretéritas, é fundamental que os erros aprendidos com tais experiências não sejam repetidos. É com esse intuito que registramos aqui algumas sugestões para os respeitáveis membros desse Fórum e que são perfeitamente aplicáveis a qualquer outra iniciativa dessa natureza que venha a surgir em outro estado brasileiro:

1) Priorizem a normatização do acesso ao patrimônio genético de amostras obtidas em áreas de propriedade do estado do Pará, inclusive unidades de conservação. Trabalhem para deixar claro, simples e rápido o procedimento necessário para a obtenção de consentimento prévio e celebração de contratos de repartição de benefícios para incentivar a pesquisa nessas áreas. Essa é, sem dúvida, a maior contribuição que os Estados podem dar ao regime existente.

2) Definam claramente os objetivos pretendidos com essa lei e mantenham-se fiéis a eles. Sem que isso seja feito, a tendência é que as discussões sobre um tema tão polêmico e complexo tornem-se infindáveis e concessões inoportunas acabem sendo contrabandeadas para o anteprojeto, tornando-o desalinhado com os objetivos traçados e impossível de ser aprovado no Legislativo.

3) Nenhum carimbo a mais! Tenham isso como um lema. As normas existentes já produzem um peso demasiadamente elevado sobre as entidades que desejam acessar e utilizar a biodiversidade em nosso País. Tanto é assim que virou fato corriqueiro vermos instituições abandonarem projetos promissores envolvendo biodiversidade após serem confrontadas com as inúmeras barreiras burocráticas que terão que enfrentar. No cenário atual, a exigência de qualquer obstáculo a mais, um carimbo que seja, deve ser rejeitada.

4) Fujam da hipertrofia legislativa decorrente de repetições de definições ou regras que já estão consagradas na legislação federal. Evitem também o uso de termos imprecisos ou inovações desnecessárias que mais servem para satisfazer a vaidade do autor da proposição do que para regular adequadamente a realidade social. O Brasil demorou mais de 10 anos para sedimentar alguns conceitos nessa área. Partam deles.

5) Atentem para os limites da competência estadual. Os estados não têm carta branca para legislar sobre acesso ao patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais. Na verdade, no cenário atual, há pouquíssimo espaço para a sua atuação normativa, uma vez que as normas gerais fixadas pela União são extremamente abrangentes e a jurisprudência é tranquila no sentido de que elas devem ser respeitadas pelos estados. Além disso, a Lei Complementar 140/2011, que conferiu à União a competência para gerir o patrimônio genético e os conhecimentos tradicionais, deve ser observada com lupa.

6) Busquem regular o que não será impactado com a provável alteração da legislação federal. Em razão dos prejuízos que a medida provisória 2.186-16/2001 vem causando para o país, há avançadas discussões sobre sua possível alteração. Assim, o mais prudente é que o anteprojeto estadual foque em aspectos que tendem a não ser alcançados pelas alterações das normas federais (condições para acesso em áreas públicas, por exemplo), sob pena de se criar um texto natimorto.

7) Rejeitem qualquer ideia que envolva a exigência de novas outorgas estatais (autorizações, licenças etc) para a realização da pesquisa que envolva biodiversidade. Além de restrição dessa natureza já existir no âmbito federal, sua criação, tanto lá quanto cá, é inconstitucional e representa o maior gargalo do regime jurídico atualmente em vigor.

8) Evitem a construção de novos repositórios para registrar as informações que já existem em outros bancos de dados. É uma burocracia inútil se criar no âmbito estadual um repositório que nada mais faça do que exigir das entidades de pesquisa que depositem ali praticamente as mesmas informações fornecidas ao órgão federal. Em vez de se realizar exigência dessa ordem, sobrecarregando a pesquisa, o estado deve articular com a União uma forma de obter esses dados.

É comum ouvirmos das mais diversas fontes que os recursos genéticos da biodiversidade brasileira e os conhecimentos tradicionais a eles associados, especialmente na região amazônica, são uma enorme fonte de riqueza. É verdade. Mas para que essa riqueza seja conservada, sustentávelmente explorada e gere benefícios para todos paraenses, assim como para o Brasil, é preciso que qualquer iniciativa que pretenda regulamentar seu uso tenha em mente esses objetivos e busque construir as ferramentas necessárias para alcançá-lo, afastando-se dos inúmeros erros cometidos pelas normas já existentes. Os ilustres membros desse Fórum devem ter isso em mente a cada passo que derem para a construção do marco legal estadual.

*João Emmanuel Cordeiro de Lima é advogado do escritório Nascimento & Mourão – Sociedade de Advogados.

Fonte: Revista Consultor Jurídico