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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

A polêmica do “OU” na lei de vasectomia

*Escrito por Lúcio Flávio Gonzaga Silva*

É preciso discutir a polêmica em torno da redação da Lei da vasectomia relacionada à frase: "em homens maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos", o que leva a duas interpretações: um homem menor de 25 anos com filhos assim como um homem maior de 25 anos e sem filhos pode fazer a cirurgia.

A vasectomia, compondo o tópico da esterilização cirúrgica humana, é um dos poucos procedimentos médicos que tem uma legislação específica em nosso país. Trata-se da Lei Federal nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996, que regulamenta o parágrafo 7º do artigo 226 da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988.

Ela, que foi publicada no DOU no 010, de 15 de janeiro de 1996, e no DOU no 159, de 20 de agosto de 1997, trata do planejamento familiar, em seus princípios básicos.

Vejamos o que está no item I do seu artigo 10. “Somente é permitida a esterilização nas seguintes situações: em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce.”

O texto, como está escrito, suscita na verdade estes questionamentos: poderia se fazer vasectomia em homens menores de 25 anos e com filhos? Ou maiores de 25 anos sem filhos?

No entanto, há Leis e há interpretações das Leis. Não nos cabe, aos médicos, nenhuma das duas atribuições: o elaborar e o interpretar. Afazeres dos legisladores e juristas. Resta-nos o fazer, o procedimento, significando abolir definitivamente do paciente sua capacidade de gerar filhos, de reproduzir-se, na sua mais sublime expressão.

E aí impera a consciência e o senso comum. Qual o senso comum, para este caso? É óbvio que ele aponta para uma ilicitude a realização de uma cirurgia mutiladora do aparelho reprodutor, para uma pessoa que não tenha filhos (o exemplo mais crucial).

Há os que argumentam que a Lei 9.263/96 tornou legal o referido procedimento, desde que cumpridos os requisitos e as ressalvas previstas no citado diploma legal. No entanto, pode ser alegado pelo profissional motivo de consciência para a não realização da vasectomia em paciente sem filho, que tenha, por exemplo, 25 anos de idade; ou no caso de paciente de 18 anos que já tenha dois filhos.

Em nosso socorro vem o Código de Ética Médica, em seu capítulo II (Direito dos Médicos), item IX: “É direito do médico recusar-se a realizar atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência.”

Neste caso presente, nem de longe está claro que a Lei 9.263 permite este tipo de procedimento (vasectomia em homens sem filhos), há apenas uma possibilidade de interpretações outras, divergentes do senso comum.

E mesmo que alguém o interprete como legal, lembro uma frase do professor Genival Veloso em seu livro, Comentários ao Código de Ética Médica: “Para que o médico venha a cometer um delito ético, não é necessário que tenha feito um ato ilegal.”

Concluo por recomendar a leitura integral da Lei 9.263 pelos colegas de todo o Brasil, especialmente para aqueles que realizam vasectomia, porque há nela prescrições essenciais que devem ser compreendidas e, por certo, obedecidas.

*Lúcio Flávio Gonzaga Silva é conselheiro federal representante do Ceará e vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do estado (Cremec).

Fonte: CFM