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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

sábado, 19 de maio de 2012

MT vive epidemia de ações judiciais

Estado está em 8º lugar no ranking nacional dos processos judiciais do setor de saúde

Orçamentos minguados, estruturas sucateadas e carência de mão-de-obra especializada, aliados à corrupção, má gestão e desperdício de verbas públicas com ações que não são de interesse da população são alguns dos problemas vistos em todos os setores públicos que, em tese, deveriam atender as necessidades mais básicas do contribuinte.

Mas quando tais eventos emperram no tema saúde, o contexto toma outras proporções: ao lutar pela própria vida e se ver desamparado pelo Estado, que tem por lei o dever de atendê-lo, o cidadão decide recorrer à justiça.

Seja pela falta de um medicamento, pela urgência de um procedimento cirúrgico ou a necessidade de um leito hospitalar, são inúmeras as razões para se queixar ao judiciário de pendências no sistema de saúde pública que a prefeitura, o governo ou a união falharam ao ofertar. E a situação é tão rotineira que pode até ser considerada “surto contagioso”, com direito a nome e sobrenome: judicialização da saúde. Em Mato Grosso, esse surto já atingiu níveis de epidemia.

De acordo com levantamento feito pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2011, o Estado está em 8º lugar no ranking nacional dos processos judiciais do setor de saúde, na época com 2.919 ações em andamento, frente 240 mil em todo o Brasil. E o alto índice mostrou crescimento progressivo ao longo dos anos. Segundo dados da Defensoria Pública de Mato Grosso, que é responsável por 80% das representações de processos do tipo, em 2011 foram realizados 1900 atendimentos na área de saúde, enquanto que nos anos anteriores foram 1710 e 980 atendimentos, em 2010 e 2009, respectivamente.

Seria a saúde, por lei, um direito de todos? Ou um bem que deve ser lutado com unhas, dentes e ações na justiça? Diante dessa problemática e da reflexão sobre quais os limites do poder judiciário ao condenar e interferir em outros poderes, o defensor público da comarca de Tangará da Serra, Ramon Fagundes Botelho publicou o livro “A Judicialização do Direito à Saúde” (Editora Juruá, R$ 54,90, 180 páginas), direcionado a advogados, magistrados e acadêmicos, mas que serve de ferramenta norteadora a todos os interessados e envolvidos no assunto.

Segundo o autor, a interferência do poder judiciário em outros poderes pode ser feita, com ressalvas. Mas em tese o judiciário não está preparado para decidir demandas tão subjetivas, como saber se o paciente precisa deste ou daquele medicamento, ou se um procedimento cirúrgico é mesmo essencial para sua sobrevivência. “O Judiciário está preparado para decidir demandas concretas, saber quem tem ou quem não tem o direito, quem merece ganhar, quem merece perder”, argumenta.

Frente à fragilidade do sistema público de saúde e a lacuna técnica do magistrado, o Poder Judiciário de Mato Grosso criou em novembro de 2011 o Núcleo de Apoio Técnico (NAT). O Núcleo é formado por médicos, farmacêuticos e técnicos administrativos cedidos pela Secretaria de Saúde (SES) e tem por objetivo oferecer subsídios técnicos à Justiça através de relatórios e servir de base documental para que o poder público tome providências. “Os relatórios servem apenas de fonte para que o juiz agregue informações e tenha mais propriedade no julgamento, mas ele não influencia suas decisões diretamente”, explica o coordenador do NAT, Túlio Duailibi, que também é juiz da 6ª Vara da Comarca de Sinop. Apesar de discutível imparcialidade, uma vez que os relatórios são emitidos por funcionários do próprio sistema público de saúde, o coordenador afirma que os pareceres emitidos trabalham em prol da verdade. “Sempre utilizo os relatórios do NAT ao emitir pareceres. Me sinto mais seguro nas decisões”, afirma.

80 processos em dois meses

No período de dezembro de 2011 a janeiro de 2012, o NAT recebeu 80 processos para análise. Destes, 65 foram apreciados pelo magistrado após emissão de parecer técnico do Núcleo. A vara de Várzea Grande lidera o número de ações, com 29 demandas; Cuiabá apresentou 14 demandas e as Comarcas do interior do Estado totalizaram 22 demandas, sendo 11 apenas em Sinop. Dos processos apreciados, 59% obtiveram a liminar deferida, 12% não obtiveram liminar e, em 29% dos casos, o juiz solicitou mais informações por parte do prejudicado.

As solicitações mais usuais são de cirurgias e procedimentos médicos (44%); medicamentos (19%); exames (7%); UTI (7%); Home Care (6%); consulta médica especializada (4%); materiais e insumos hospitalares (4%); suplemento alimentar (3%); transferência hospitalar (3%); aquisição de órteses e próteses (2%) e oxigênio domiciliar (1%).

Dificuldades no processo – Segundo o defensor público responsável por atuar no setor da saúde em Cuiabá, Carlos Gomes Brandão, a cirurgia ortopédica lidera as demandas por procedimentos cirúrgicos. Mas o grande problema ao ingressar com a ação está na juntada de laudos e relatórios que comprovem a situação do paciente. “Os médicos na maioria das vezes entregam laudos incompletos e até dificultam a entrega dos documentos, atrapalhando o ingresso da ação, já que a documentação é indispensável”, explica.

Falhas levam à judicialização

Para o médico-sanitarista e professor do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso (ISC-UFMT), Júlio Müller Neto, a judicialização se deve a falhas na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) tanto em nível Federal quanto Estadual e Municipal. “O financiamento insuficiente e a falta de capacidade para oferecer serviços que são de direito do cidadão são problemas que poderiam ser resolvidos com a profissionalização da gestão e o estudo de quais as maiores demandas”, explica. Com vasta experiência como gestor da Saúde e ex-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Jülio Muller acredita que com a melhora, as ações judiciais reduziriam, mas não acabariam, uma vez que sempre vai haver alguém lutando por seus direitos na justiça. “A redução dessas ações melhoraria muito a vida das pessoas e da própria gestão, que teria condições para trabalhar de forma planejada, e não apagando um incêndio por dia”, pontua.

De acordo com o ex-secretário de Saúde de Cuiabá, Luiz Soares, hoje membro do Movimento Saúde e Democracia, o subfinanciamento da Rede SUS é fator de peso para as demandas judiciais: o Brasil é o único país com sistema universal de saúde em que o gasto privado é maior do que o público. Mas a má vontade dos prestadores de serviços – sejam eles gestores, funcionários e redes complementares – e a falta de mão-de-obra especializada no mercado também são fatores de peso nesse cenário. “O dinheiro, que já é pouco, com a má gestão e a corrupção só agrava ainda mais o contexto”, define. Segundo ele, especialidades como neurocirurgia e psiquiatria estão em falta em Cuiabá e somado a isso, a Capital, que hoje recebe pacientes de todas as regiões do Estado, possui número pequenos de prestadores de serviços. “Mesmo que o Centro de Regulação libere as cirurgias, não há como fazer porque não há capacidade hospitalar e nem prestadores de serviços”, finaliza.

Fonte: Circuito Mato Grosso