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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

domingo, 13 de maio de 2012

Dois cheques-caução e uma morte em hospital

Unidade hospitalar nega acusações. Inquérito da 2ª DP apura o caso


A Polícia Civil investiga a morte de uma idosa de 77 anos, no mês passado, em um hospital particular da Asa Norte. Segundo denúncia feita pelo filho à 2ª DP, a aposentada Aureliana Duarte dos Santos deu entrada no Santa Helena por volta das 19h30 do dia 9 de abril, com pressão alta e arritmia cardíaca. O funcionário público Carlos Roberto do Nascimento, 48 anos, diz que a mãe precisou ser internada na unidade de terapia intensiva (UTI), mas o procedimento só teria sido realizado cerca de duas horas depois, mediante a entrega de dois cheques-caução, no valor de R$ 25 mil cada um. Ele acredita que a demora no atendimento agravou o quadro de saúde de Aureliana. O hospital nega a cobrança de caução.

O caso ocorreu menos de três meses após o secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Duvanier Paiva, morrer ao ser recusado em três hospitais particulares do DF por não ter folhas de cheque para deixar a caução exigida. Esta semana, o Senado Federal aprovou projeto de lei que torna crime a cobrança de qualquer garantia de pagamento para atendimento em emergências (leia reportagem abaixo).

Carlos Roberto diz que chegou com a mãe à emergência do hospital e, após um exame clínico, um médico determinou a internação na UTI. Como a idosa não tinha plano de saúde, o filho afirma ter desembolsado R$ 919,94 pelo atendimento inicial. “No entanto, nos exigiram os dois cheques para que ela fosse internada”, disse. Carlos não portava talão de cheques e precisou ir à casa da nora, em Sobradinho, para pegar emprestado. Os cheques são assinados por Maria Cleidiane de Oliveira. “Demorei cerca de duas horas e minha mãe ficou sozinha deitada em uma maca tomando soro. Quando cheguei, ela estava pior”, detalhou. Aureliana morreu quatro horas após a internação na UTI. A causa da morte, segundo o atestado de óbito, foi choque cardiogênico, arritmia cardíaca e hipertensão arterial.

Carlos afirma ter denunciado o caso somente agora porque estava “muito abalado” com a morte da mãe. Ele afirma que a aprovação do projeto no Senado o encorajou a tomar tal atitude. O servidor tem ainda uma dívida de R$ 8,3 mil com o hospital. O valor seria referente às despesas dentro da UTI, entre elas 70 pares de luvas e quatro aparelhos respiratórios. “O hospital está me coagindo. Caso eu não pague essa quantia, eles ameaçam depositar os cheques. Acho esse valor abusivo para o tempo que ela ficou internada e pelo descaso de não terem atendido enquanto eu não cheguei com a caução”, garante o único filho de Aureliana, que mora em Sobradinho.

Cobrança abusiva

Segundo o advogado Luciano Poubel, especialista em direito do consumidor, médico e penal, o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor considera abusiva a exigência de caução para internação de um paciente. “Essa exigência coloca o consumidor em desvantagem porque ele está disposto a tudo para internar o seu ente querido”, ressalta.

Na última quarta-feira, Carlos Roberto registrou ocorrência na 2ª DP, por acreditar que a mãe teria sobrevivido caso fosse atendida no momento que chegou ao hospital. A polícia quer saber o que ocorreu no período em que Aureliana esteve na unidade de saúde. De acordo com o delegado-titular, Rogério Bonach, a princípio, há indícios de omissão de socorro no atendimento.

Carlos Roberto foi o primeiro a ser ouvido pela 2ª DP, na tarde de ontem. O diretor, um médico e uma funcionária da área administrativa do hospital são esperados para os próximos dias. O delegado também vai requisitar um laudo ao Instituto de Medicina Legal (IML). Num primeiro momento, a investigação será baseada no prontuário médico, no exame cadavérico e no histórico médico da idosa.

Rodrigo Bonach diz que é preciso cautela durante a apuração. “Se ficar comprovada a omissão, médicos e diretores do hospital poderão ser responsabilizados. A obrigação ética, moral e legal de uma equipe médica é, no mínimo, estabilizar o estado de saúde de um paciente. Eles tinham que ter oferecido atendimento”, afirma Bonach.

Por meio de nota, o Hospital Santa Helena negou que tenha exigido “qualquer garantia para o atendimento da paciente, muito menos a solicitação de cheque-caução.” A nota diz: “A sra. Aureliana Duarte foi internada para tratamento em caráter particular, tendo como responsável pelas suas despesas médicas, o seu filho”. O hospital confirma que a idosa chegou à unidade às 19h48 e “foi imediatamente atendida pela equipe assistencial, que identificou quadro cardíaco grave”. A 2ª DP vai solicitar as imagens do circuito interno do hospital para ajudar nas investigações.

Omissão pode dar cadeia

Na última quarta-feira, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal aprovou o Projeto de Lei de Câmara (PLC) nº 34/2012. A proposta, de autoria do Executivo, torna crime a exigência de cheque-caução, nota promissória ou até mesmo preenchimento de formulários como pré-requisitos ao atendimento de urgência em hospitais privados. O texto foi aprovado na Câmara no começo do mês e, como não sofreu alterações no Congresso, segue agora para a sanção da presidente Dilma Rouseff. Começa a valer a partir da publicação no Diário Oficial da União.

No caso de não cumprimento da norma, quando ela entrar em vigor, funcionários e diretores de hospitais podem ser condenados a penas que variam de seis meses a um ano de prisão. Serão considerados crimes atrasos no atendimento para que os procedimentos burocráticos de cauções sejam providenciados pelo paciente ou pela família. A pena também pode ser dobrada em caso de lesão grave resultante da falta de atendimento (leia quadro).

Os parlamentares aprovaram o projeto em regime de urgência, a pedido de Dilma Rousseff. O texto foi elaborado após a morte do secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Duvanier Paiva, em janeiro (leia Memória). Pela nova lei, os responsáveis em casos como o de Duvanier, resultante em morte, poderão ter a pena triplicada.

Mudança

Para a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), a aprovação da lei chega para mudar a nova forma de atendimento a pacientes graves que precisam de tratamento emergencial. “Os que insistirem em cobrar garantias têm que ser punidos. Só assim as pessoas respeitarão a modificação”, acredita. A parlamentar é uma das principais defensoras do projeto de lei. “A partir de agora, é preciso haver duas coisas: denúncia de quem se sentiu lesado ou ameaçado e fiscalização por parte do Estado”, ressalta a também médica.

O senador Humberto Costa (PT-PE), ex-ministro da Sáude, relator da proposta, acha o texto mais abrangente do que alguns projetos similares. “A cobrança do cheque-caução é uma prática abusiva, que vinha sendo adotada há anos. Infelizmente, só após a morte de uma pessoa próxima, o tema foi tratado com a devida seriedade”, defendeu.

FIQUE ATENTO

Como era

A exigência de cheque-caução, depósito, nota promissória e quaisquer outros títulos de crédito ou garantias para o atendimento já era proibida pela Resolução Normativa nº 44, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), criada há oito anos. Dessa forma, prestadores de serviços contratados, credenciados, cooperados ou referenciados das operadoras de planos de saúde podem ser penalizados com multa que varia entre R$ 80 mil e R$ 100 mil. A atuação da ANS, entretanto, é limitada apenas a situações que envolvam o plano de saúde ao qual o paciente é conveniado.

Como deve ficar

Alem das punições administrativas já existentes, a exigência de cheque-caução fica tipificada como crime de omissão de socorro, previsto no Código Penal Brasileiro. Assim, os responsáveis podem ser condenados de três meses a um ano de prisão. Se for causada lesão corporal grave por conta da negativa de atendimento, a pena pode ser duplicada. E se houver morte, a punição aumenta três vezes. A lei vale para qualquer situação de emergência, independentemente de o hospital ser conveniado ao plano de saúde do paciente. Caso a unidade de saúde não aceite o convênio, o paciente deverá pagar pelo atendimento após todo o processo ser concluído e o risco controlado.

Fonte: Correio Braziliense