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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Perfis a favor e contra o aborto são defensáveis

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54, que cuida da anencefalia, será julgada na quarta-feira, 11 de abril, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. A discussão que foi alvo de audiência pública, consiste em saber se é possível, depois do terceiro mês de gestação, a sua interrupção, posto que diminutas as chances de se conceber sem sequelas o nascituro.

Sob o ponto de vista científico, a forma de cessar o estado gestacional corresponderia ao menor sofrimento da mãe, na medida em que não precisaria ficar durante nove meses na expectativa de um resultado esperado. No ângulo humanista e consubstanciando o pensamento, em geral, da Igreja Católica, a forma de agir coroaria um método de aborto e a vida humana estaria sendo sacrificada inocentemente.

Ambas as posições mostram perfis absolutamente defensáveis, não pendendo para nenhum dos lados, caberá uma decisão técnica do STF, isto porque existe uma estatística, cuja percepção poderá influenciar no julgamento, porquanto a grande maioria falece no estágio final, quando do parto ou pouco tempo depois.

Efetivamente, se a medida vier a ser adotada como forma de antecipar o sofrimento humano e permitir que a evolução científica, ao lado daquela médica, permita um quadro melhor, não haveria razão plausível de se aguardar o término da gravidez. Entretanto, como a vida é um dom divino que refoge da realidade humana e não se pode descartar a chance, ainda que mínima, da mutação ou de descoberta científica favorável ao parto normal, assiste razão à Igreja quando defende, de forma intransigente, a concepção até o seu final, pois que não há, necessariamente, uma correlação integral do insucesso em relação ao nascituro.

Gera polêmica e muito questionamento o assunto, para esclarecer a sociedade e também as autoridades, no sentido de uma farta messe de elementos colhidos ao longo da audiência pública. Atualmente a ciência deve ser colocada ao lado do homem e como mecanismo de reduzir o sofrimento humano. Desta forma, se há quase uma certeza sobre a inviabilidade de um parto normal, tudo indicaria uma solução menos traumática a qual fosse compartilhada no aspecto psicológico da mãe.

Estamos diante de uma tormentosa matéria que não recebe resposta ou alternativa no direito positivo, mas à luz do direito natural, isto porque não há uma clara definição a respeito da concepção humana, na ótica do nascituro. Caberá, portanto, à Corte Suprema, no julgamento previsto, que identifique a melhor forma e o raciocínio se realize de maneira a apresentar uma fórmula capaz de solucionar, juridicamente, a controvérsia.

Existem casos nos quais a parturiente obteve, de forma exitosa, o alvará para interrupção da gravidez, sem consequências na esfera penal. No entanto, a posição a ser tomada, provavelmente por maioria, no STF, descortinará um novo horizonte para a repercussão do assunto e como ele será visto doravante.

Ninguém duvida que a genitora, ao tomar conhecimento da má formação do feto e das possíveis consequências negativas do nascimento, queira por fim, de uma vez, ao quadro desalentador o qual se apresenta. Nada obstante, ainda que os sinais sejam desfavoráveis, existe um lampejo divino assoprando, que pode representar a descoberta científica ou ao menos um espectro de milagre na reversão do quadro diagnosticado. Diversas percepções podem ser analisadas e avaliadas no contexto que se afigura dificultoso de análise, dependendo da formação humana e do sentido a ser emprestado à vida como um todo. E a tônica ganha mais relevo quando, revisitando a Páscoa, nos deparamos com o fenômeno da ressureição, marco inseparável da fé cristã. A tradição da família brasileira não se separa do dogma da fé e da crença em valores morais e éticos que permeiam o significado maior da vida.

Diante do quadro retratado, pois, cumprirá ao Supremo Tribunal Federal dar uma visão plural à matéria, levando em conta princípios e fundamentos de ordem jurídica, científica, técnica, sem deslembrar a importância vital e emblemática, dignificando a vida, que transcende a própria razão humana, para ganhar ares de um dom maior, inexplicável aos olhos terrenos.

De toda sorte, sem uma definição jurídica sobre o assunto, persistirá a dúvida, e a função do julgamento consiste justamente em encontrar um meio termo que proteja o nascituro e reconforte a parturiente, ambas as figuras potenciais e merecedoras da tutela protetiva da justiça.

Fonte: Revista Consultor Jurídico (Carlos Henrique Abrão, Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo)