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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Para juíza, doadora de óvulo não é parente

Filho está com a mãe que gestou o bebê; processo já dura três anos

Um ex-casal de lésbicas de São Paulo disputa na Justiça a guarda de um menino gerado com os óvulos de uma e gestado no útero da outra.

As enfermeiras Gisele *, 46, e Amanda *, 42, viveram juntas durante seis anos. No terceiro ano de casamento, decidiram ter um bebê por meio da fertilização in vitro.

Gisele cedeu os óvulos, que foram fecundados com espermatozoides de um doador anônimo e, depois, transferidos para o útero de Amanda.

Na primeira tentativa, o tratamento não deu certo. Na segunda, Amanda engravidou de um menino.
``Ouvir o coraçãozinho dele foi muito emocionante. Desde aquele momento, ele é a pessoa mais importante da minha vida``, diz Gisele, com os olhos marejados.

Durante a gravidez, o casal começou a se desentender. Gisele queria que seu nome também figurasse no registro de nascimento do filho. Amanda rejeitou a ideia.

``Ela alegava que ele sofreria discriminação``, diz Gisele, que integra a equipe de resgate do Corpo de Bombeiros de São Paulo.

Em 2008, o casal se separou e Amanda ficou com a guarda do garoto. ``Cedi a todas exigências dela. Deixei carro, deixei apartamento. Saí com a roupa do corpo.``

Segundo Gisele, a ex-companheira tornou-se evangélica e passou a negar a homossexualidade. ``Ela escondia meu filho de mim. Sentia prazer em ver meu desespero.``

Gisele entrou com uma ação pedindo o reconhecimento de maternidade, mas o juiz a julgou improcedente.

Ao assumir o caso, a advogada Patrícia Panisa mudou de estratégia. ``Naquele momento, os direitos dos casais homoafetivos ainda não estavam tão definidos e não adiantava insistir no reconhecimento da maternidade.``

Patrícia optou por entrar com uma ação pedindo a guarda compartilhada da criança e visitas regulares.
As visitas foram autorizadas, mas o pedido de guarda ainda não foi julgado.

GUARDA

Em dezembro, a relação do ex-casal azedou ainda mais.

``Eu iria passar o Natal e metade das férias com meu filho. Mas, novamente, ela escondeu ele e só consegui encontrá-lo com um mandado de busca e apreensão.``

A advogada de Gisele entrou então com um pedido de reversão de guarda (o que não invalida o pedido da ação principal ainda não julgada).

``A juíza negou, alegando que não tenho parentesco com ele. Fiquei indignada. Ele tem os meus genes, é a minha cara``, diz Gisele. Sua advogada recorreu da decisão.

Gisele afirma que reúne provas de que Amanda negligencia nos cuidados do filho. ``É comum ela deixá-lo trancado em casa sozinho. Já dei um celular com crédito para ele me ligar quando isso acontecer, mas ela fica com o aparelho. Eu me desespero pensando: e se ele passa mal? E se a casa pega fogo?``

No apartamento onde Gisele vive, tudo lembra o garoto. A cama em formato de carro de corrida, a parede com marcas dos seus pés e mãos, as fotos desde bebê, os desenhos desde os primeiros rabiscos. Até três gatos foram adotados, conta ela, por insistência do menino.

A Folha tentou falar com Amanda anteontem, mas, segundo seu advogado, ela não foi encontrada.
* Nomes fictícios; o caso corre em segredo de Justiça

Novas formas de família impõem desafios à Justiça

O Judiciário não pode mais se esquivar de decisões espinhosas como a que envolve a disputa pela guarda do filho das enfermeiras Amanda e Gisele. E ele deve se preparar para os desafios impostos pelas novas formas de famílias.

A avaliação vem de juízes ouvidos pela Folha.

Para a juíza da vara de família Deborah Ciocci, desde que o STF (Supremo Tribunal Federal) reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo, questões como o registro de crianças em nome de duas mulheres devem ser enfrentadas de igual modo.

``Muitos dos fatos da vida não previstos em lei rompem as portas da Justiça e pedem solução. As novas famílias são mulheres com filhos concebidos com sêmen de doador, casais do mesmo sexo com filhos, crianças nascidas após a morte dos pais e filhos sem vinculo biológico com um ou ambos os pais.``

O desembargador Ericksson Marques concorda. ``Antes, a principal questão dos casais gays era patrimonial. O STF já resolveu isso. Agora há outras questões que também precisam de respostas.``
Para ele, ``mais cedo ou mais tarde os juízes vão ter que decidir quem é a mãe e quem é o pai em uma união homoafetiva``.

No caso específico do ex-casal de lésbicas de São Paulo, Ciocci acredita que o caso deve ser julgado a partir dos mesmos parâmetros usados em uma disputa envolvendo um casal heterossexual.

``É como uma família qualquer, como se fosse pai e mãe. Deve-se levar em conta as condições sociais, psicológicas e econômicas de cada um e decidir o que é melhor para a criança.``

Já o juiz Edson Namba, especialista em biodireito, pensa que o caso exige ainda mais cuidado na hora de julgar. ``Não é só o fato de ter a guarda. É preciso avaliar qual delas está mais apta para ajudar essa criança a entender esse contexto de ser filha de um casal do mesmo sexo.``

Namba afirma que, no caso das enfermeiras, houve infração ética da clínica de reprodução que realizou a fertilização in vitro. ``A lei é clara: a doação de óvulo é anônima. Isso é inviolável.``

Deborah Ciocci tem outra interpretação. Para ela, em se tratando de um casal, não haveria problema no uso do óvulo da parceira. ``Em tese, é como utilizar o sêmen de um marido.``(CC)

Em novela, menina é disputada por mães

Se uma mulher dá à luz um filho gerado com o óvulo de outra, a quem a criança deve chamar de ``mamãe``? A ficção também se faz essa pergunta.

Na novela ``Fina Estampa``, da Rede Globo, a disputa acontece entre Esther (Julia Lemmertz), que carregou o bebê por nove meses, e Beatriz (Monique Alfradique), dona do material genético.

Esther sonhava em ter um filho, mas não conseguia engravidar. Optou pela inseminação artificial -para reverter seu problema, teve de usar óvulo e esperma de doadores.

O namorado de Beatriz morreu. Antes, os dois haviam doado material para o consultório de Danielle (interpretado por Renata Sorrah), irmã dele.

É aí que os caminhos das personagens se trombam: sem nenhum dos envolvidos saber, a médica inseriu as doações do casal na paciente.

Para complicar ainda mais, a trama não traz pessoas desde o início a par da situação, como no caso da disputa entre o casal de lésbicas ou o de uma ``barriga de aluguel``.

Quando Beatriz descobre ser a mãe biológica da pequena Victoria, decide lutar pela guarda do bebê. Diz ela a jornalistas: ``O filho que a gente sempre quis foi enterrado com ele, até descobrir que meu sonho estava vivo, mesmo que nascido de outra mulher``.

O assunto vem ganhando destaque nos episódios da novela de Aguinaldo Silva.

Para Beatriz, a batalha será travada nos tribunais. O problema é que a legislação atual não é capaz de fornecer um desfecho para o caso.

A doutora Danielle, por ter atropelado normas éticas, poderia ser responsabilizada. Na vida real, situações similares seriam decididas caso a caso, pelo juiz da vez, até que a lei brasileira encontre uma forma de abranger os novos arranjos familiares.

Fonte: Folha de S.Paulo