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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Parecer CFM nº 1/2011 - Políticas na área de Saúde Mental

PROCESSO-CONSULTA CFM nº 8.589/10 – PARECER CFM nº 1/11
INTERESSADO:
Câmara Técnica de Psiquiatria do CFM

ASSUNTO:
Sistema de Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e políticas na área de saúde mental

RELATOR:
Cons. Emmanuel Fortes Silveira Cavalcanti

EMENTA: Define que as Portarias SAS nos 224/92 e 336/02, do Ministério da Saúde, são antiéticas no que tange aos Caps III, ad II e III, vulnerando a segurança da assistência aos pacientes e a prática segura do ato médico, recomendando a adoção de medidas pelo Ministério da Saúde e instâncias judiciais, bem como recomendação aos Conselhos Regionais de Medicina para a adoção das providências cabíveis.


O sistema capscêntrico
No ordenamento jurídico brasileiro há normas que disciplinam a atenção à saúde em geral e a prática da medicina, e, paralelamente, um modelo de atenção à saúde mental proposto e executado pelo Ministério da Saúde.

Em outros países o óbvio seria que as políticas públicas executadas pelo governo estivessem de acordo com as leis em vigor, mas no Brasil os fatos não são assim tão simples. Principalmente em assuntos que se revestem de forte conteúdo ideológico, como os pertinentes à prática psiquiátrica e ao atendimento de pacientes com transtornos mentais. Em relação ao tema observa-se significativo conflito entre a chamada “legislação maior” (Constituição Federal, constituições estaduais e leis federais e estaduais) e a “legislação menor” (decretos, portarias, regulamentos e quaisquer atos emanados da vontade exclusiva de autoridades administrativas).

Dentre a legislação “maior”, podem ser citados:

a) a Constituição Federal

Art. 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Art. 198: “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I – descentralização (...); II – atendimento integral (...); III – participação da comunidade.”

b) o Decreto presidencial nº 20.931/32[1]

Art. 16: “É vedado ao médico: a) ter consultório comum com indivíduo que exerça ilegalmente a medicina; (...) i) assumir a responsabilidade de tratamento médico dirigido por quem não for legalmente habilitado; (...)”.

Art. 24: “Os institutos hospitalares de qualquer natureza, públicos ou particulares, (...) só poderão funcionar sob responsabilidade e direção técnica de médicos ou farmacêuticos, nos casos compatíveis com esta profissão (...).”

Art. 28: “Nenhum estabelecimento de hospitalização ou de assistência médica pública ou privada poderá funcionar, em qualquer ponto do território nacional, sem ter um diretor técnico e principal responsável, habilitado para o exercício da medicina nos termos do regulamento sanitário federal. (...)”

Art. 29: “A direção dos estabelecimentos destinados a abrigar indivíduos que necessitem de assistência médica, se achem impossibilitados, por qualquer motivo, de participar da atividade social, e especialmente os destinados a acolher parturientes, alienados, toxicômanos, inválidos, etc., será confiada a um médico especialmente habilitado e a sua instalação deverá ser conforme os preceitos científicos de higiene, com adaptações especiais aos fins a que se destinarem.”

c) a Lei Federal nº 3.268/57

Art. 2º: “O Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Medicina são os órgãos supervisores da ética profissional em toda a República e, ao mesmo tempo, julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendo-lhes zelar e trabalhar, por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho ético da medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam legalmente.”

Art. 15: “São atribuições dos Conselhos Regionais: (...) c) fiscalizar o exercício da profissão de médico; (...) h) promover, por todos os meios e o seu alcance, o perfeito desempenho técnico e moral da medicina e o prestígio e bom conceito da medicina, da profissão e dos que a exerçam; (...).”

Art. 17: “Os médicos só poderão exercer legalmente a medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades, após o prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério da Educação e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade.”

d) a Lei Federal nº 10.216/01

Art. 2º, § único: “São direitos da pessoa portadora de transtorno mental: I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades; (...) V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária; (...).”

Art. 6º: “A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.”

Art. 7º, § único: “O término da internação voluntária dar-se-á por solicitação escrita do paciente ou por determinação do médico assistente.”

Art. 8º, § 1º: “A internação psiquiátrica involuntária deverá, no prazo de setenta e duas horas, ser comunicada ao Ministério Público Estadual pelo responsável técnico do estabelecimento no qual tenha ocorrido (...)”.

Art. 8º, § 2º: “O término da internação involuntária dar-se-á por solicitação escrita do familiar, ou responsável legal, ou quando estabelecido pelo especialista responsável pelo tratamento.”

Da leitura dos textos legais suprarreferidos claramente se deduz que:

a) a atenção à saúde no Brasil deve ser objeto de políticas públicas próprias, inspiradas nos princípios que determinaram a criação do Sistema Único de Saúde;

b) as instituições hospitalares ou de assistência médica devem funcionar sob a responsabilidade e direção técnica de médico legalmente habilitado, inclusive os estabelecimentos destinados a abrigar “alienados” e “toxicômanos”;

c) o exercício legal da medicina está condicionado à prévia inscrição do médico no Conselho Regional de Medicina onde exerce sua atividade;

d) o médico não pode assumir a responsabilidade por ato médico que não praticou ou por atividade terapêutica realizada por quem não for legalmente habilitado para a medicina;

e) a internação psiquiátrica, voluntária ou involuntária, é ato que somente pode ser praticado por médico, assim como a respectiva alta hospitalar;

f) a internação psiquiátrica involuntária deve ser comunicada ao Ministério Público em até setenta e duas horas.

Abandonando os domínios da legislação “maior”, deve-se avocar, ainda, a Resolução nº 1.834/08 do Conselho Federal de Medicina, que disciplina o sobreaviso médico e no parágrafo único de seu art. 1º determina “A obrigatoriedade da presença de médico no local nas vinte e quatro horas, com o objetivo de atendimento continuado dos pacientes, independe (sic) da disponibilidade médica em sobreaviso nas instituições de saúde que funcionam em sistema de internação ou observação”.

Assim, ao acima enumerado pode-se agregar que os pacientes em regime de internação ou observação devem contar com assistência médica presencial ininterrupta.

O Ministério da Saúde, entretanto, valendo-se principalmente de portarias, tem se divorciado das normas legais retroapontadas no que se refere à atenção aos doentes mentais. O marco inicial da anômala situação existente no Brasil é a Portaria SAS/MS nº 224/92, que estabeleceu as diretrizes e normas para o atendimento ambulatorial/hospitalar em saúde mental.

No corpo desse documento há menção a “Núcleos/Centros de Atenção Psicossocial (Naps/Caps)”, descritos como “unidades de saúde locais/regionalizadas, que contam com uma população adscrita definida pelo nível local e que oferecem atendimento de cuidados intermediários entre o regime ambulatorial e a internação hospitalar, em um ou dois turnos de 4 horas, por equipe multiprofissional” (item 2.1). Mais adiante (item 2.3), esclarece que “são unidades assistenciais que podem funcionar 24 horas por dia, durante os sete dias da semana ou durante os cinco dias úteis, das 8:00 às 18:00h, segundo definições do órgão gestor local. Devem contar com leitos para repouso eventual” (grifos nossos).

O mesmo documento determina, ainda, que “A equipe técnica mínima para atuação no Naps/Caps, para o atendimento a 30 pacientes por turno de 4 horas, deve ser composta por: 1 médico psiquiatra (...)” (item 2.5).

Esta portaria apresenta curiosa particularidade: por meio de uma afirmação gratuita (os Naps/Caps “oferecem atendimento de cuidados intermediários entre o regime ambulatorial e a internação hospitalar”) buscam negar uma realidade palpável, a de que os Caps passaram a exercer função hospitalar (muito desqualificada e precária, é verdade, porém essencialmente hospitalar) ao aceitarem e estimularem a internação de pacientes em suas dependências. Essa mistificação da realidade tornar-se-á mais palpável ao se examinar, a seguir, os termos do ato ministerial que a sucedeu.

Trata-se da Portaria MS/GM nº 336/02, que em seu art. 1º estabelece que os Centros de Atenção Psicossocial poderão constituir-se nas seguintes modalidades de serviços: Caps I, Caps II e Caps III, definidos por ordem crescente de porte/complexidade e abrangência populacional (...)”.

A mesma portaria traz, ainda, as seguintes disposições (grifos nossos):

a) as três modalidades de Caps cumprem a mesma função, destinam-se a pacientes com transtornos mentais severos (sic) e persistentes e prevêem regimes de tratamento intensivo, semi-intensivo e não intensivo (sic) (art. 1º, § 1º);

b) são funções dos Caps, dentre outras: organizar a demanda da rede de cuidados em saúde mental, regular a porta de entrada dessa rede, supervisionar serviços e programas de saúde mental e coordenar as atividades de supervisão de unidades hospitalares psiquiátricas (art. 4º, itens 4.1, 4.2 e 4.3);

c) em relação aos Caps III, destinados a municípios com mais de 200.000 habitantes, além do descrito no item “b” se prevê que os mesmos deverão ter as seguintes características: constituir-se em serviço ambulatorial de atenção contínua, durante 24 horas diariamente, incluindo feriados e finais de semana (art. 4º, item 4.3.a); estar referenciado a um serviço de atendimento de urgência/ emergência (...) que fará o suporte de atenção médica (art. 4º, item 4.3.g); acolhimento noturno, nos feriados e finais de semana, com no máximo 5 (cinco) leitos, para eventual repouso e/ou observação”, limitando-se a permanência dos pacientes “a 7 (sete) dias corridos ou 10 (dez) dias intercalados em um período de 30 (trinta) dias” (art. 4º, itens 4.3.1.g e 4.3.1.i); para o período de acolhimento noturno, em plantões corridos de 12 horas, a equipe deve ser composta por três técnicos/auxiliares de enfermagem, sob supervisão do enfermeiro do serviço, e de um profissional de nível médio da área de apoio (art. 4º, item 4.3.2.1);

d) em relação ao Caps ad II, destinado ao atendimento de pacientes com transtornos decorrentes do uso e dependência de substâncias psicoativas, além do descrito no item “b” se estabelece que a assistência a pacientes dependentes químicos inclui “atendimento de desintoxicação” (art. 4º, item 4.5.1.h), disponibilidade de “2 (dois) a 4 (quatro) leitos para desintoxicação e repouso” (art. 4º, item 4.5.h); previsão de funcionamento “de 8:00 às 18:00 horas, em 2 (dois) turnos, durante os cinco dias úteis da semana, podendo comportar um terceiro turno funcionando até às 21:00 horas” (art. 4º, item 4.5.g);

e) no que tange aos recursos humanos, a “equipe técnica mínima” dos Caps I terá, dentre seus integrantes, “01 (um) médico com formação em saúde mental”, ao passo que o Caps i II (destinado a atender crianças e adolescentes) contará com “1 (um) médico psiquiatra, ou neurologista ou pediatra com formação em saúde mental”. Nas demais modalidades de Caps a portaria exige a presença de psiquiatra na dita “equipe técnica mínima”.

As normas da Portaria MS/GM nº 336/02, acima em destaque, devem ser objeto de crítica, posto que eivadas de ilegalidades e absurdos técnicos, os quais, às vezes, adquirem a forma de verdadeiras perversidades com os doentes mentais. A saber:

1) Atribuição a não médicos da função de supervisão e de regulação da rede de serviços de saúde mental.

Sendo a rede de serviços de saúde mental necessariamente composta de hospitais psiquiátricos, unidades psiquiátricas em hospital geral e de ambulatórios de psiquiatria, a regulação da porta de entrada desses serviços somente pode ser realizada por médico ou por entidade cujo diretor técnico seja médico.

2) Destinação dos Caps, dentre outras atividades, ao tratamento intensivo de doentes mentais graves (curiosamente denominados “severos” pela portaria”), com atendimento diário, 24 horas ininterruptas, incluindo finais de semana e feriados, com leitos para repouso, observação ou desintoxicação, sem presença médica permanente.

Sabe-se que doentes mentais graves, inclusive os que apresentam quadros de intoxicação por substância psicoativa, demandam cuidados médicos intensivos que não podem ser obtidos sem a atenção permanente de um médico legalmente habilitado e sem o suporte técnico básico. No caso da portaria em exame, o conceito de “atendimento intensivo” é o de “acompanhamento diário” (art. 5º, § único), o que nada tem a ver com o conceito médico de cuidados intensivos. Assim, a ideia de “referenciamento” a serviço de urgência da região que fornecerá “o suporte de atenção médica”, além de não suprir a deficiência apontada, é ilegal, haja vista ser proibido o sobreaviso (ou cobertura médica a distância), sem a presença de médico permanentemente junto ao paciente.

3) “Acolhimento noturno” e nos finais de semana com os pacientes deixados aos cuidados apenas de três técnicos ou auxiliares de enfermagem e de um profissional de nível médio (Caps III). “Atendimento de desintoxicação” em dias de semanas até às 21h nos Caps em que houver terceiro turno de “acolhimento” (Caps ad II).

Servem os mesmos comentários retromencionados, pois ambas as situações descritas são demonstrações claras do nível de descaso no tratamento do doente mental grave. Imagine-se a hipótese de paciente alcoolista ou dependente de qualquer outra droga, em abstinência, ser liberado às 21h de uma sexta-feira com a recomendação de retornar às 8h da segunda-feira seguinte para continuar o “atendimento de desintoxicação”.

4) Uma psiquiatria sem psiquiatras

Como se vê, depreende-se da portaria em análise não ser necessária a presença de psiquiatras nos Caps I e Caps i II. Os primeiros correspondem a mais da metade da rede Caps instalada no território nacional, o que implica em uma psiquiatria sem psiquiatras e na opção por um atendimento de qualidade inferior.

5) A mistificação do “acolhimento”.

Os ideólogos dessa “nova era” têm recorrido ao uso da palavra “acolhimento” com a clara finalidade de mascarar a conduta de internação do paciente ante as condições de extrema deficiência técnica dos recursos materiais e humanos. Assim, a evidente ilegalidade e irresponsabilidade de sonegar atendimento médico permanente e integral ao longo do período de funcionamento dos Caps III e Caps ad II é disfarçada sob a alegação de que o paciente não estaria internado, mas tão somente “acolhido”. Entretanto, os absurdos da política do “acolhimento” não cessam aí. Há mais: os procedimentos de “acolhimento” e “desacolhimento” – na verdade, internação e alta hospitalar – são determinados por profissionais não médicos; e as internações involuntárias, posto que meros “acolhimentos”, não são comunicadas ao Ministério Público. Ao abuso e à ilegalidade, adiciona-se a fraude.

O rápido exame das portarias supramencionadas demonstra que tanto a Constituição Federal quanto a Lei nº 10.216/01 e as normas que regulamentam o exercício da medicina são sistematicamente burladas, pelas seguintes razões:

a) os doentes mentais estão sendo discriminados ao não serem alvo de políticas que atendam de forma efetiva suas necessidades, principalmente pela não observância ao princípio dos cuidados integrais;

b) há constante usurpação da prática de atos médicos por profissionais de outra área, o que configura exercício ilegal da medicina e sonegação, aos doentes mentais, do direito ao “melhor tratamento”;

c) embora legal, a opção pelo atendimento de pacientes com transtornos mentais por médicos não psiquiatras denota, mais uma vez, a falta de compromisso em respeitar o direito desses pacientes “ao melhor tratamento”;

d) o recurso ao “acolhimento” de pacientes configura duplo abuso: um no plano de seu direito à liberdade, uma vez que essas internações psiquiátricas disfarçadas não são comunicadas ao Ministério Público; outro, no que tange aos cuidados de saúde em si, precários, incompletos e, muitas vezes, ministrados por profissionais não habilitados;

e) os Caps de qualquer nível, se houver a opção governamental de que sejam locais de tratamento a doentes mentais, devem forçosamente ostentar em sua direção técnica médico legalmente habilitado, nos termos dos artigos 28 e 29 do Decreto nº 20.931/32.

Dessa forma, o este parecer explicita que a prática médica em ambientes tão precários e abusivos configura cumplicidade com a situação descrita, configurando condição antiética para a segurança do trabalho dos médicos.

De Porto Alegre para Brasília, em 16 de setembro de 2010



José G. V. Taborda

Relator, Câmara Técnica de Psiquiatria

Conselho Federal de Medicina

Comentários ao parecer

Houve por bem a Câmara Técnica de Psiquiatria, baseada em orientação de sua coordenação, estudar à luz das regências constitucional e legal as mazelas decorrentes da contradição entre o que preconizam as normas legais brasileiras maiores e as portarias ministeriais.

Veja-se excerto do parecer:

“Trata-se da Portaria MS/GM nº 336/02, que em seu art. 1º estabelece que os Centros de Atenção Psicossocial poderão constituir-se nas seguintes modalidades de serviços: Caps I, Caps II e Caps III, definidos por ordem crescente de porte/complexidade e abrangência populacional (...)”.

“A mesma portaria traz, ainda, as seguintes disposições (grifos nossos):

a) as três modalidades de Caps cumprem a mesma função, destinam-se a pacientes com transtornos mentais severos (sic) e persistentes e prevêem regimes de tratamento intensivo, semi-intensivo e não intensivo (sic) (art. 1º, § 1º);

b) são funções dos Caps, dentre outras: organizar a demanda da rede de cuidados em saúde mental, regular a porta de entrada dessa rede, supervisionar serviços e programas de saúde mental e coordenar as atividades de supervisão de unidades hospitalares psiquiátricas (art. 4º, itens 4.1, 4.2 e 4.3)”;

E mais adiante:

“4) Uma psiquiatria sem psiquiatras

Como se vê, depreende-se da portaria em análise não ser necessária a presença de psiquiatras nos Caps I e Caps i II. Os primeiros correspondem a mais da metade da rede Caps instalada no território nacional, o que implica em uma psiquiatria sem psiquiatras e na opção por um atendimento de qualidade inferior”.

O parecerista e a Câmara Técnica de Psiquiatria demonstram preocupação com uma prática psiquiátrica sem psiquiatras, e embora ressalvem que tal opção não é necessariamente ilegal, pois um médico generalista com conhecimentos básicos pode cuidar da assistência e da regulação do sistema, desde que com mínima qualificação, pugnam pela estimulação da formação massiva de especialistas em psiquiatria para comandar tais demandas como infra:

“c) embora legal, a opção pelo atendimento de pacientes com transtornos mentais por médicos não psiquiatras denota, mais uma vez, a falta de compromisso em respeitar o direito desses pacientes “ao melhor tratamento”.

Vale reforçar a assertiva de que para cumprir a função de regulador e fiscalizador do sistema esses estabelecimentos precisam de médico durante todo o período de funcionamento, quer seja por quatro, oito ou 24 horas.

Os problemas de maior monta são concernentes aos Caps III, ad II e III, que na realidade são pseudo-hospitais onde se realiza a internação, aplica-se medicamentos e observa-se a evolução em caráter prognóstico, mas nos quais o papel do médico é subtraído e diluído com o de outros membros da equipe, como se todos pudessem fazer tudo. Assim, o psicólogo, o assistente social ou enfermeiro estão habilitados, nessas instituições, a fazer o juízo clínico evolutivo e a determinar as providências médicas sobre o doente internado. Descumpre-se também o formalismo legal ao se permitir que o paciente seja inserido sem uma avaliação médica e possa sair à hora em que queira. Não há autoridade médica regulando, avaliando e dizendo se é caso de internar ou não, se o paciente pode sair quando desejar ou se, em risco, conforme preceitua a Lei nº 10.216/01, será involuntariamente hospitalizado e este ato comunicado ao Ministério Público. Esta lacuna no entendimento e a mudança da nomenclatura legal de “internação” para “acolhimento” faz antever que, além do descumprimento da lei, os ideólogos do sistema criaram um ambiente sem ordem ou hierarquia, extremamente nocivo aos pacientes, gerando insegurança quanto ao que se exige para um funcionamento seguro dentro de critérios médicos. Na verdade, criaram pensionatos ou abrigo de miseráveis, onde os pacientes dormem, tomam banho se quiserem, comem e voltam a perambular pelas ruas como se isso fosse atendimento médico, voltando ou não no dia ou na noite seguinte.

Veja-se, para melhor entendimento, o que o parecer menciona:

“c) em relação aos Caps III, destinados a municípios com mais de 200.000 habitantes, além do descrito no item “b” se prevê que os mesmos deverão ter as seguintes características: constituir-se em serviço ambulatorial de atenção contínua, durante 24 horas diariamente, incluindo feriados e finais de semana (art. 4º, item 4.3.a); estar referenciado a um serviço de atendimento de urgência/ emergência (...) que fará o suporte de atenção médica (art. 4º, item 4.3.g); acolhimento noturno, nos feriados e finais de semana, com no máximo 5 (cinco) leitos, para eventual repouso e/ou observação”, limitando-se a permanência dos pacientes “a 7 (sete) dias corridos ou 10 (dez) dias intercalados em um período de 30 (trinta) dias” (art. 4º, itens 4.3.1.g e 4.3.1.i); para o período de acolhimento noturno, em plantões corridos de 12 horas, a equipe deve ser composta por três técnicos/auxiliares de enfermagem, sob supervisão do enfermeiro do serviço, e de um profissional de nível médio da área de apoio (art. 4º, item 4.3.2.1);

d) em relação ao Caps ad II, destinado ao atendimento de pacientes com transtornos decorrentes do uso e dependência de substâncias psicoativas, além do descrito no item “b” se estabelece que a assistência a pacientes dependentes químicos inclui “atendimento de desintoxicação” (art. 4º, item 4.5.1.h), disponibilidade de “2 (dois) a 4 (quatro) leitos para desintoxicação e repouso” (art. 4º, item 4.5.h); previsão de funcionamento “de 8:00 às 18:00 horas, em 2 (dois) turnos, durante os cinco dias úteis da semana, podendo comportar um terceiro turno funcionando até às 21:00 horas” (art. 4º, item 4.5.g)”.

Reforçando a argumentação exposta deve-se também referir o item 4.3.2 ─ pertinente a Recursos Humanos ─ da Portaria MS/GM nº 336/02, que relaciona a equipe técnica que funcionará nos Caps III:

“A equipe técnica mínima para atuação no Caps III, para o atendimento de 40 (quarenta) pacientes por turno, tendo como limite máximo 60 (sessenta) pacientes/dia, em regime intensivo, será composta por:

a) 2 (dois) médicos psiquiatras;

b) 1 (um) enfermeiro com formação em saúde mental;

c) 5 (cinco) profissionais de nível superior entre as seguintes categorias: psicólogo, assistente social, enfermeiro, terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico;

d) 8 (oito) profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo, técnico educacional e artesão”.



Na mesma linha de escassez deliberada de recursos humanos, o item 4.3.2.2 da indigitada portaria estabelece, em relação aos Caps III e Caps ad II e III, para as “12 horas diurnas, nos sábados, domingos e feriados”, que a equipe deve ser composta por:

“a) 1 (um) profissional de nível superior dentre as seguintes categorias: médico, enfermeiro, psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, ou outro profissional de nível superior justificado pelo projeto terapêutico;

b) 3 (três) técnicos/auxiliares técnicos de enfermagem, sob supervisão do enfermeiro do serviço;

c) 1 (um) profissional de nível médio da área de apoio.”



O absurdo dessa normativa fica evidente ao se examinar o trecho, a seguir, do parecer, in verbis:

“2) Destinação dos Caps, dentre outras atividades, ao tratamento intensivo de doentes mentais graves (curiosamente denominados “severos” pela portaria”), com atendimento diário, 24 horas ininterruptas, incluindo finais de semana e feriados, com leitos para repouso, observação ou desintoxicação, sem presença médica permanente.

Sabe-se que doentes mentais graves, inclusive os que apresentam quadros de intoxicação por substância psicoativa, demandam cuidados médicos intensivos que não podem ser obtidos sem a atenção permanente de um médico legalmente habilitado e sem o suporte técnico básico. No caso da portaria em exame, o conceito de “atendimento intensivo” é o de “acompanhamento diário” (art. 5º, § único), o que nada tem a ver com o conceito médico de cuidados intensivos. Assim, a ideia de “referenciamento” a serviço de urgência da região que fornecerá “o suporte de atenção médica”, além de não suprir a deficiência apontada, é ilegal, haja vista ser proibido o sobreaviso (ou cobertura médica a distância), sem a presença de médico permanentemente junto ao paciente”.

Veja-se que a observação acima ressaltada coaduna-se com a Resolução nº 1.834/08 deste Conselho Federal de Medicina, que em seu artigo 1º, parágrafo único, disciplina o sobreaviso médico determinando “A obrigatoriedade da presença de médico no local nas vinte e quatro horas, com o objetivo de atendimento continuado dos pacientes, independe da disponibilidade médica em sobreaviso nas instituições de saúde que funcionam em sistema de internação ou observação”.



Prosseguindo no exame do parecer e com foco na desassistência médica dos pacientes doentes mentais ou dependentes químicos:

“3) “Acolhimento noturno” e nos finais de semana com os pacientes deixados aos cuidados apenas de três técnicos ou auxiliares de enfermagem e de um profissional de nível médio (Caps III). “Atendimento de desintoxicação” em dias de semanas até às 21h nos Caps em que houver terceiro turno de “acolhimento” (Caps ad II).

Servem os mesmos comentários retromencionados, pois ambas as situações descritas são demonstrações claras do nível de descaso no tratamento do doente mental grave. Imagine-se a hipótese de paciente alcoolista ou dependente de qualquer outra droga, em abstinência, ser liberado às 21h de uma sexta-feira com a recomendação de retornar às 8h da segunda-feira seguinte para continuar o ‘atendimento de desintoxicação’.”

É mais que evidente que a estrutura assistencial prevista na portaria não tem condições de cuidar dos pacientes, não dá segurança aos médicos, nem faz com que a sociedade tenha a garantia de que o melhor da assistência está sendo colocado à disposição dos doentes mentais e de seus familiares. Nessa estrutura, dois psiquiatras não cobrirão jamais as 24 horas de assistência contínua, como seria o indicado em uma estrutura de internação de cuidados intensivos, para valer-se de expressão contida na própria portaria. Há riscos na prestação de cuidados médicos, como se infere da simples leitura, os quais só poderão ser cobertos com infraestrutura de equipamentos médicos, inclusive os de primeiros socorros, e pelo menos mais oito psiquiatras, ou médicos, cobrindo os plantões, além dos dois assistentes previstos pela portaria. Todas essas exigências correspondem ao mínimo necessário para o fiel cumprimento das resoluções do CFM que determinam que cada paciente internado tem direito a um médico assistente, que se encarregará, diariamente, da continuidade das estratégias terapêuticas e das prescrições.

A compreensão cristalina é a de que as normas das portarias do Ministério da Saúde ferem mortalmente a segurança da população e do trabalho dos médicos por permitirem amparo administrativo para a intervenção de terceiros em matéria eminentemente médica. Dessa forma, transferem-se a guarda, os cuidados e a responsabilidade por pessoas doentes mentais, com riscos de complicações de natureza clínica diversa, para profissionais não habilitados, nem técnica nem legalmente, a assumirem tais encargos. É sempre importante relembrar que ao se avaliar um doente mental faz-se necessário, primeiramente, estabelecer as possíveis etiologias clínicas do seu quadro, as quais devem ser abordadas com medicações próprias da clínica médica. Além disso, as medicações ditas “psiquiátricas” não são inócuas, produzem efeitos sobre o funcionamento corporal e cerebral e podem gerar idiossincrasias e complicações que o médico a distância não pode aferir. Assim, quem assinará as atestações, inclusive as de óbito, caso ocorram, ou quem responderá por danos e atentados a terceiros, ao patrimônio ou ao próprio indivíduo? Como o médico assumirá a plena responsabilidade pelo caso se não detém a prerrogativa da formulação diagnóstica, prognóstica e das prescrições terapêuticas, dentre as quais as prescrições de internação e alta? A portaria do Ministério da Saúde trata as internações e altas como atos de vontade própria, determinados exclusivamente pelo paciente, a seu bel-prazer, ao passo que a lei determina que o mesmo pode ser internado voluntariamente, mas necessita de avaliação e determinação médica prévias e pode, também, receber alta a seu próprio pedido ─ a qual, contudo, dependerá de avaliação médica, que pode converter uma internação voluntária em involuntária, em vista de determinados requisitos legais. Tudo, é claro, de acordo com os termos da Lei nº 10.216/01.

Explicitamente, o parecerista na Câmara Técnica de Psiquiatria se debruça sobre todos os elementos da regência e está sobejamente demonstrado que da afronta à lei passa-se à negligência com os pacientes por meio da ilegal intervenção na esfera dos atos profissionais dos diversos integrantes da equipe multidisciplinar responsável pelo tratamento dos doentes mentais: no caso dos médicos, diminuindo-os e restringindo-os; no das demais profissões, exacerbando-os.

A propósito, veja-se o que dispõe a Lei nº 10.216/01 sobre a segurança da intervenção médica e assistencial aos doentes:

“Art. 4º A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.

(...)

§ 2º O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.

§ 3º É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados no § 2º e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2º.” (Grifo próprio).



Seu art. 2º ressalta que:

“Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados no parágrafo único deste artigo.

Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:

V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;

VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento;”.



O CFM tem a ética obrigação de alertar os médicos a não aceitarem passivamente essa imposição do Ministério da Saúde, pois a responsabilidade maior pelo que vier a acontecer com seus pacientes é deles, independentemente das circunstâncias. O seu ato e sua pessoa estão vulneráveis e necessitam de urgente proteção.

A lei veda a internação psiquiátrica em ambientes com as características atualmente apresentadas pelos Caps tipo III e tipos ad II e III, exatamente porque não há em suas estruturas a presença médica ininterrupta e o suporte técnico indispensável para intervenções prontas e agudas, estas sim com características manicomiais. Não é por ter poucos leitos que estaríamos num ambiente seguro para a assistência aos portadores de doenças mentais, segundo a Lei nº 10.216/01.

Como visto e amplamente debatido, o sistema montado pela Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde por meio de normas infralegais está em total desacordo com as normas “maiores” (Constituição Federal e leis federais): descumpre pressupostos técnicos e legais e cria um sistema ao arrepio do que o Congresso Nacional aprovou e o Poder Executivo sancionou.

Não bastassem esses pressupostos, o dilema vivido pelos médicos em seu desiderato alcança o próprio Código de Ética Médica em diversos de seus postulados, recém-postos em prática. Nos parece que afrontar os dispositivos abaixo enumerados é total descalabro e a negação do que acabamos de escrever. Vejamos, então, o que está afrontado:



Preâmbulo

I – O presente Código de Ética Médica contém as normas que devem ser seguidas pelos médicos no exercício de sua profissão, inclusive no exercício de atividades relativas ao ensino, à pesquisa e à administração de serviços de saúde, bem como no exercício de quaisquer outras atividades em que se utilize o conhecimento advindo do estudo da Medicina.

II - As organizações de prestação de serviços médicos estão sujeitas às normas deste Código.

III - Para o exercício da Medicina impõe-se a inscrição no Conselho Regional do respectivo Estado, Território ou Distrito Federal.



Capítulo I - Princípios fundamentais

VIII - O médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho.

XV - O médico será solidário com os movimentos de defesa da dignidade profissional, seja por remuneração digna e justa, seja por condições de trabalho compatíveis com o exercício ético-profissional da Medicina e seu aprimoramento técnico-científico.

XVI - Nenhuma disposição estatutária ou regimental de hospital ou de instituição, pública ou privada, limitará a escolha, pelo médico, dos meios cientificamente reconhecidos a serem praticados para o estabelecimento do diagnóstico e da execução do tratamento, salvo quando em benefício do paciente.



Capítulo II - Direitos dos médicos

É direito do médico:

II - Indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas cientificamente reconhecidas e respeitada a legislação vigente.

IV - Recusar-se a exercer sua profissão em instituição pública ou privada onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar a própria saúde ou a do paciente, bem como a dos demais profissionais. Nesse caso, comunicará imediatamente sua decisão à comissão de ética e ao Conselho Regional de Medicina.



Capítulo III - Responsabilidade profissional

É vedado ao médico:

Art. 2º Delegar a outros profissionais atos ou atribuições exclusivos da profissão médica.

Art. 5º Assumir responsabilidade por ato médico que não praticou ou do qual não participou.

Art. 8º Afastar-se de suas atividades profissionais, mesmo temporariamente, sem deixar outro médico encarregado do atendimento de seus pacientes internados ou em estado grave.

Art. 10. Acumpliciar-se com os que exercem ilegalmente a Medicina ou com profissionais ou instituições médicas nas quais se pratiquem atos ilícitos.

Art. 17. Deixar de cumprir, salvo por motivo justo, as normas emanadas dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina e de atender às suas requisições administrativas, intimações ou notificações no prazo determinado.

Art. 18. Desobedecer aos acórdãos e às resoluções dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina ou desrespeitá-los.

Art. 19. Deixar de assegurar, quando investido em cargo ou função de direção, os direitos dos médicos e as demais condições adequadas para o desempenho ético-profissional da Medicina.

Art. 56. Utilizar sua posição hierárquica para impedir que seus subordinados atuem dentro dos princípios éticos.

Art. 57. Deixar de denunciar atos que contrariem os postulados éticos à comissão de ética da instituição em que exerce seu trabalho profissional e, se necessário, ao Conselho Regional de Medicina.

Art. 83. Atestar óbito quando não o tenha verificado pessoalmente, ou quando não tenha prestado assistência ao paciente, salvo, no último caso, se o fizer como plantonista, médico substituto ou em caso de necropsia e verificação médico-legal.

86. Deixar de fornecer laudo médico ao paciente ou a seu representante legal quando aquele for encaminhado ou transferido para continuação do tratamento ou em caso de solicitação de alta.

Art. 87. Deixar de elaborar prontuário legível para cada paciente.

§ 1º O prontuário deve conter os dados clínicos necessários para a boa condução do caso, sendo preenchido, em cada avaliação, em ordem cronológica com data, hora, assinatura e número de registro do médico no Conselho Regional de Medicina.

§ 2º O prontuário estará sob a guarda do médico ou da instituição que assiste o paciente.

Art. 97. Autorizar, vetar, bem como modificar, quando na função de auditor ou de perito, procedimentos propedêuticos ou terapêuticos instituídos, salvo, no último caso, em situações de urgência, emergência ou iminente perigo de morte do paciente, comunicando, por escrito, o fato ao médico assistente.



CONCLUSÃO

Ante tal detalhada exposição, considero parte das Portarias SAS nos 224/92 e 336/02, principalmente no que tange aos Caps III, ad II e III, antiéticas às condições de segurança necessárias para a assistência médica aos pacientes e ao próprio ato médico, devendo tal conclusão ser enviada ao Ministério da Saúde para as devidas correções. O CFM, por sua vez, deve adotar as providências judiciais necessárias e instar aos Conselhos Regionais de Medicina a observância ao contido neste parecer, para as providências cabíveis.

Este é o parecer, SMJ.



Brasília-DF, 12 de janeiro de 2011


Emmanuel Fortes Silveira Cavalcanti

Conselheiro relator



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[1] O Decreto presidencial nº 20.931/32 inclui-se na legislação “maior” por se constituir materialmente em lei, à semelhança dos decretos-leis posteriores, pois foi proclamado em período de exceção constitucional decorrente da Revolução de 1930.