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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

segunda-feira, 31 de março de 2008

Só há responsabilidade do Hospital se houver conduta culposa do médico

Já falamos anteriormente sobre a incorreção adotada pelos autores de ações judiciais envolvendo prestadores de serviços na área da saúde, na medida em que estes autores alegam que o hospital deve responder objetivamente, mesmo que o fundamento da ação recai sobre conduta médica.

Não bastasse isso, estes autores, via de regra, alegam que na responsabilidade objetiva não é necessária a análise da conduta do prestador de serviço para a responsabilização civil pelos danos sofridos pelo consumidor.

Em duas decisões publicadas no final do mês de março deste ano, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deixou claro seu entendimento em sentido contrário aos das alegações dos autores, embora ainda caiba recurso destas decisões.

No acórdão da apelação cível nº 510.988.4/6, em recuso apresentado pela autora contra decisão de improcedência, a Sexta Câmara de Direito Privado decidiu que a decisão de primeira instância deve ser mantida, uma vez que deveria ter sido comprovada a conduta culposa dos médicos do hospital demandado:

“...o sucesso da demanda dependia não só da comprovação do nexo de causalidade entre a conduta do réu e os problemas visuais descritos na vestibular, como também de prova segura de que teria sido vítima de erro médico, causado por culpa dos prepostos do Hospital quanto aos cuidados a serem dispensados à paciente.”

Logo, nos exatos termos acima transcritos, o TJ/SP deixa claro que se a ação tiver como fundamento “erro médico”, ainda que movida somente em face do hospital, deve ser verificada se houve conduta culposa dos profissionais para haver a responsabilização da pessoa jurídica. E, ainda, para que o hospital seja responsabilizado, não basta a existência de dano e nexo, devendo restar configurada a conduta defeituosa.

No mesmo sentido, a decisão proferida pela Quarta Câmara de Direito Privado também do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na Apelação Cível nº 552.108-4/9:

“...extrai-se da prova colhida, além da compreensível e justificada dor do autor, a ausência de erro médico ou equivocada prestação de serviços hospitalares na lamentável ocorrência que ensejou o dano. [...] E se a responsabilidade civil do hospital não decorre da má prestação dos serviços que lhe são próprios, como instalações, enfermagem, equipamentos e outros, mas do erro do profissional da medicina, não se pode cogitar de responsabilidade objetiva e dever de indenizar alheio à causa atribuída para o evento danoso. Haveria, portanto, para ensejar a procedência da ação, de estar efetivamente provada a culpa dos médicos que atenderam o apelante, o que não ocorreu. Assim sendo, se não houve procedimento errado, não há que se falar em culpa pelos danos sofridos pelo autor, afastando-se, portanto, a responsabilidade civil tanto do médico, quanto do hospital.”

Portanto, as decisões acima citadas demonstram o equívoco dos autores nas ações envolvendo prestadores de serviços na área da saúde, bem como revelam a necessidade dos advogados destes prestadores de serviços estarem atentos e não se deixarem levar pelas alegações equivocadamente reiteradas neste tipo de ação.

A Responsabilidade Subjetiva nas Ações em face dos Hospitais

Com muita freqüência observamos que os autores em ações judiciais referentes à suposta má prática médica insistem que a responsabilidade do hospital é objetiva, mesmo quando o ato que teria dado ensejo à reclamação foi praticado por médico, no desempenho de sua profissão.

Nestes processos, os autores fundamentam seus pedidos em uma falha cometida por um profissional, mas demandam somente em face do hospital e desejam ver aplicada a teoria da responsabilidade objetiva.

Porém, ao contrário do que é afirmado nestas ações, se a conduta que ensejou o alegado dano foi praticada por um profissional (médico), necessariamente esta conduta deve ser analisada sob a ótica da responsabilidade subjetiva.

Ou seja, para a responsabilização do hospital por algum equívoco praticado por um médico, a conduta deste deve ser analisada, considerando a teoria da responsabilidade subjetiva, isto é, somente se verificada a conduta culposa é que pode ocorrer a responsabilização civil do profissional e também do hospital. Neste sentido, mais uma vez citamos a decisão “divisora de águas” revelada no REsp nº 258.389.

Ademais, além da incorreção acima mencionada, não raras vezes observamos que outro argumento falacioso é adotado pelos autores das ações envolvendo profissionais da área da medicina: na responsabilidade objetiva não é necessária a análise da conduta.

Os autores afirmam que bastam o dano e o nexo causal. Este tipo de argumento revela uma grande confusão entre pressupostos da responsabilidade civil e fundamento da responsabilidade civil.

Seja na responsabilidade objetiva, seja na responsabilidade subjetiva, os pressupostos são exatamente os mesmos: i) conduta; ii) dano; e iii) nexo de causalidade entre a conduta e o dano.

A diferença entre as “responsabilidades” é que na subjetiva deve estar presente o seu fundamento, qual seja, a culpa, em alguma de suas modalidades: imperícia (falta de conhecimento técnico), imprudência (ação equivocada) ou negligência (desídia).

Assim, mesmo na responsabilidade objetiva deve ser analisada a conduta do prestador de serviço. Somente se constatado que se trata de conduta “defeituosa” é que ocorrerá a responsabilidade do prestador de serviço. Mesmo porque, apenas a título de elucidação, se bastassem dano e nexo (sem análise da conduta), bastaria uma pessoa entrar viva e sair morta de um hospital para restar caracterizada a responsabilidade civil do nosocômio.

Mas e se o hospital fez tudo correto? Justamente esta pergunta é que deve ser respondida e revela a necessidade de análise da conduta do hospital para se determinar se houve ou não defeito na prestação do serviço e, consequentemente a existência ou não de responsabilidade civil.

Ademais, o próprio Código de Defesa do Consumidor (art. 14, caput) estabelece que a responsabilidade do hospital (pessoa jurídica) é objetiva, mas expressamente afirma que deve ter sido prestado serviço defeituoso para que o nosocômio seja responsabilizado. Porém, nestes casos não há que se falar em culpa.

Portanto, nas ações envolvendo condutas praticadas por profissionais da saúde, ainda que movidas somente em face das pessoas jurídicas, deve ser analisada a conduta do profissional e, somente se constatada a culpa deste profissional é que pode ocorrer a responsabilização da pessoa jurídica e, mesmo nas ações que estejam sob o manto da responsabilidade objetiva, deve ser constatada a conduta defeituosa para que o prestador de serviço possa ser responsabilizado civilmente pelo dano causado ao consumidor.