Minha foto
Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Os Conselhos de Medicina e o "bis in idem"

Questão perturbante novamente vem à tona com a divulgação por parte do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo de que os artigos que foram mais imputados aos médicos em processos ético-profissionais foram o 2º e o 4º.
Compulsando o Código de Ética Médica, Resolução CFM nº 1.246/88, percebe-se que estes dois artigos constituem "Princípios Fundamentais". Ora, a pergunta que se faz necessária é se uma pessoa pode ser punida por simples infração a princípios? Será que para que fosse possível a punição não deveria haver a tipificação da conduta? A condenação por uma conduta tipificada e pela afronta ao princípio não constituiria "bis in idem"? Passamos às respostas.
Primeiramente, impende destacar que as decisões proferidas principalmente pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo deixam muito a desejar sob o aspecto jurídico. Comumente são proferidas decisões condenatórias em que durante a instrução processual não foram comprovados os fatos (afronta ao princípio da inocência); muitas decisões não guardam relação com o que fora imputado como fato possível de infração ética; em sua grande maioria o relatório da sindicância não explicita quais fatos ensejaram a denúncia pelos artigos mencionados...
Deixando de lado este ponto, entendo que não deveria ser possível a condenação com base apenas e tão somente em princípios fundamentais, sendo certo que somente poderia haver punição para condutas expressamente tipificadas.
Resumidamente, uma vez que o Código de Ética Médica apresenta divisões e uma delas estabelece os "princípios fundamentais" e posteriormente são descritas condutas anti-éticas, não se pode ter outro raciocínio senão o de que as condutas "ilícitas" tipificadas são fruto de afronta aos princípios fundamentais.
E justamente neste ponto reside o "bis in idem", uma vez que a mesma conduta serve para condenar o profissional por uma das condutas tipificadas no Código de Ética Médica e também em um dos princípios.
Somente por esta razão os dois artigos mais imputados aos profissionais são o 2º e o 4º:
"Art. 2º - O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional."
"Art. 4º - Ao médico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da Medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão."
Curiosamete, o terceiro artigo mais imputado é o 29:
"Art. 29 - [é vedado ao médico] Praticar atos profissionais danosos ao paciente, que possam ser caracterizados como imperícia, imprudência ou negligência."
Então vejamos:
Médico atendeu paciente e deixou de solicitar exame essencial para o diagnóstico. Como houve retardamento do diagnóstico, a doença teve evolução e o paciente veio a falacer. Neste caso, o médico poderia ser processado eticamente por afronta aos arts. 2º, 4º e 29. Mas como pode ele infringir três artigos do Código de Ética praticando uma só conduta?
Nos processos punitivos o "réu" defende-se dos fatos a ele imputados e não da capitulação (citação do artigo). Porém, o "acusador" deve mencionar quais artigos teriam sido afrontados com base nas condutas praticadas pelo "réu".
Desse modo, para cada um dos artigos mencionados na peça de acusação deveria ser mencionada a conduta que teria gerado a infração (destaque-se que este "cuidado" é tomado com brilhantismo pelo Conselho Regional de Medicina do Estado do Paraná, em que pese incluir afronta aos princípios fundamentais).
Se a conduta é uma só, um dos artigos configuraria infração maior e haveria, em relação aos demais artigos, a absorção, tal qual acontece nos crimes de homícidio e lesão corporal (este é absorvido por aquele). A mesma conduta contrariou dois artigos (121 e 129, do Código Penal), mas um deles é "mais específico".
Além disso, não resta dúvida de que todos têm direito à vida e à integridade física, sendo estes, muito mais do que princípios fundamentais, dois direitos fundamentais. Diferentemente do que ocorre nos CRMs, não há denúncia pelo crime de homício, de lesão corporal e de afronta ao princípio fundamental de direito à vida.
Destarte, ao contrário do que estabelece o Parecer-Consulta CFM nº 33/90, não há como se admitir que possa ocorrer a condenação de um profissional por afronta a um princípio fundamental, ainda mais se houver a condenação em algum dos artigos de tipificação específica.
Note-se que a conclusão a que chegou o CREMESP, com o devido respeito, não acresscenta em absolutamente nada, posto que a partir do momento que se entende que pode haver a cumulação de infrações pela mesma conduta, não há dúvidas de que os artigos mais imputados seriam o 2º e o 4º, posto que estes artigos referem-se à saúde do paciente e à Medicina, respectivamente. Seria difícil crer (mas até seria melhor) que os médicos estivessem sendo condenados estritamente por questões administrativas, sem envolver atendimento ao paciente (e via de conseqüência ofensa à boa prática da Medicina).
Com a estrutura atual, dificilmente um profissional é condenado por algum artigo tipificado, sem que seja também condenado pelos artigos 2º e 4º.
Portanto, a divulgação feita pelo CREMESP deixa evidente o "bis in idem" praticado pelo CREMESP em face dos profissionais da medicina, que são condenados irregularmente por algum tipo específico e também pelos artigos 2º e/ou 4º, do Código de Ética Médica.